30 novembro 2008

Sombrinha amarela com flores azuis.

– Olha, me olha, mira, vira, louco,
outro que sai de ti. Sou eu. Tu não vês?
Estou aqui. Neste sinal, farol,
luz de encruzilhadas.
Não sou navio, levo nos porões o que ficou
no lugar do que perdi. Ego,
ilha, alma, algo. O que faço?
Peço dinheiro. Está chovendo muito,
tenho esta sombrinha. Achei.
O que é a vida, o que é.
A sombrinha te chamou a atenção,
na mão de um rapaz novo e bonito.
Te explico, é porque sou artista. A roupa suja
não me cai bem. Eu sei. Não repare.
Tu me vais fotografar?
É amarela,
com flores azuis.
Danço entre os carros. Não,
corro. Um dia caí da escada do avião
bati com a cabeça e
me trouxeram pra cá,
mas sou de lá. Não posso voltar,
minha cidade já foi tomada pelo mar. Fico triste.
Aqui sou sozinho, mas me enfelizo,
me embelezo, me enjubilo, me encorajo
com os dias e as poesias que recolho
andando pelas ruas. Repare, olhe bem,
fixe o olhar num canto qualquer,
e verás um rastro
dos velhos caminhos dos nossos pais,
dos dias em que eles sonhavam, antes de nós.
Tu me reconheceste. Eu sei. Te esperava.
Haverias de me levar contigo?
Queres minha sombrinha?
Queres? Toma. A sombrinha te segura,
te equilibra. Mas tens que inventar
palavras bonitas sempre que te sentires down.
Tu me olhas. Tu que choras,
ou são águas dessa chuva?

29 novembro 2008

Tenho sina. Um oco

– Fome estilhaçada é o que sou,
fome de ser águia, quis ser jogador.
Eu acreditei que seria grande no futebol.
Já passo dos quarenta. Nem pardal sou. Veja.
Meu peito nunca mais foi ungido
com palavras que cantam. Eu cantava
e traçava para mim belo caminho.
Agora assobio, sem destino,
tenho sina. Um oco
é onde cai o meu futuro. Vendo abacaxi.
Já tentei vender galinhas, maçãs também.
Maçã é fruta bonita, mas fiquei com o abacaxi.
Vou com este carrinho por ai
e as frutas penduradas em cordinhas
como varais. Chama a atenção. Eu queria
era vender girassóis. Todavia,
logo na primeira esquina seriam murchos,
desmerecidos para a luz como um dia no seu fim.
O abacaxi parece flor, e cheira.
Quanto mais eu ando e o sol me queima,
mais ele cheira.
Mas vou repetir uma palavra, posso?
Queria mesmo era vender girassóis.
Acho até que voltaria a cantar.
Daria certo? Tu comprarias?

28 novembro 2008

Amargo de laranja

– Vergonha sempre há, mesmo
quando não se é mais menina...
Delibera outras palavras para mim,
tenho urgências de palavras bonitas.
Não? Vergonha é palavra feia,
cheiro de glândulas, sem sabão.
Me lavo muito, me desencarno,
há um amargo em minha pele, nas dobras,
nas mãos, nas auréolas douradas
onde nasceu o verbo amar,
um amargo de laranja, daquela parte branca.
É. Sou. Verdade. Agra. Branca.
Desejo? Tu sabes,
por que me perguntas?
Ele é bem maior. Projetos bons.
É angustia também, latidos que incomodam.
Se tens um cão em casa, sabes, te acostumas.
Ele late, late, late
e tu fazes
o que tem que fazer.
O sentimento vem fácil,
não dou confiança, verdade,
aborto todos. São pedras lisas,
fundamento onde pisas,
tem que pisar certo. A queda
te espera lamacenta, a cada passo.
Ah... disso não se fala,
...na hora, na hora. Não sei. Verdade.
Na hora voa da mente um pássaro
desabitado de ventos nos ossos,
que me leva e me cai. Sinto
uma vontade de ficar caída,
mas me levanto...

27 novembro 2008

Corte, petalas, mãos

– As ruas? rosas, lâminas,
são minhas até à madrugada,
até que os gestos do mundo
se apoderem de novo de cada pedaço.
O clamor lá por dentro, quase prece,
o calor, o suor me chamam
para a força e o esforço, sem o qual
não vou, não suporto.
Hei de dizer o sentimento, todavia
espera um pouco, estou pensando.
Escolho palavras, pois que
isto é manejo de navalha
em alva pele de barba.
O sentimento estranho, ainda mais é,
em peito de mulher. Égua, não falo.
Pesa mais. Quero a dose certa.
O sentir estranho é...
é sentimento cavalez.
Tu me entenderás. Puxo carroça.
Cato, pego, pago o que não se desconta,
fome de criança, filhos.
Papel, papel, papelão. Volta e meia
vidro, lâmina de aço, corte, rosas.
Minhas mãos não são patas,
ainda há por debaixo um quê de pétalas.

26 novembro 2008

O corisco risca o céu, mas...
(uma entrevista)

– Gritar? Deixa eu pensar... Tudo bem, vamos gritar.
Pode ligar. Tu nem sabes o que se passa aqui.
O corisco risca o céu, mas é o chão que se estoura.
Vivo, corro, ando, não me importo com sinais,
trânsito, me dou com outras margens, o mangue
é um lamaçal bonito, ramagens verdes
nas margens do canal . Mergulho na maré
me pego nu, sou eu mesmo,
faço minhas as ruas, e vivo.
Ainda sou menino. Mas não sou menino.
Vou falar gritos, falo gritos,
essa língua que se grita fora
de tantos estrondos que se dão por dentro,
gemidos, risadas, palavras de outro país
onde se fala português na América do Sul.
É... eu sei. O que não me foi ensinado, aprendi.
É isso, verdade se aprende,
bicho tem instinto. Grito a verdade.
O que é a verdade? Tu não sabes? Verdade
é quando tu tens um desejo e faz de tudo,
qualquer coisa, para possuir aquilo que desejas.
Minto para os caras, minto a verdade,
grito o que não sofri, angario deles piedade,
medo, nojo, desconfiança. Anda, pega,
me dá logo esse dinheiro, penso,
mas cara de coitado é o que apresento.
Os jardins da cidade me sorriem,
sorriem e eu também, é... eu também,
quando me encho de risos fáceis,
poucos reais, gastos para me ver assim...
Saudades? Eu nunca tive, o que é isso?
Ah, horas penso que sou feliz...
Por que estou rindo? Sei lá, tua cara, tu és estrangeiro,
estou rindo na tua cara. Agora vou te gritar uma coisa,
vou gritar em voz baixa, escute bem, não pense que estou aqui,
estou bem longe, sou esperto, já mudei de país,
recuperei instinto, andar de cão, olho de cobra,
mão de gato, tino de escorpião.

25 novembro 2008

Três vezes
(dedico este poema, que encerra os POEMAS DA PLANÍCIE, aos amigos blogueiros)

Recuperei o amor,
preciso refazer no coração
o caminho de uma planície
para me dar o entendimento do que disse.
Recuperei o amor,
abri a porta do vento
e as palavras saíram.
O amor pode ter vindo
no poder da imensidão,
na beleza das lonjuras,
ou nas luzes das estrelas.
Pode também ter vindo
na brisa mansa que me tocou
no alpendre em choupana perdida
tomada por abrigo,
minha própria vida. E digo,
algo mudou, me estabeleci,
cultivei trigo, tenho casa.
As espigas que amadureceram são tuas.
Reconheço, retempero minha vista,
a planície me abençoa com amor. Grãos.
Trigo. Florido. Flores douradas.
Não, estas são tuas,
não desfaço o que digo. Amo-te.
Sejam reticentes as colinas
e vacilantes as memórias,
mas o que levo aqui em mim
faz-se pedra de firmeza. Amo-te.
Estas espigas são tuas
e todas as outras.
Os horizontes e o destino
já me são amigos. Quero-te.
Aceita-me e a flor do trigo,
minha jornada em ramalhete. Amo-te.

24 novembro 2008

Direi ainda

...é o porvindouro que segue na planície,
o tempo,
aquele que ainda será atrasado
quando eu passar afobado.
Ah, gosto dessas andanças por aqui
pra me ver, quem sabe, subsistindo na linha
do futuro, ou do horizonte,
como uma faísca no céu.
Penso e repenso,
e olho e recoloco o olho em outro ponto,
assunto e reassunto por todos os lados,
não cedo, mesmo se não encontro o que nem sei.
Só ele, o tempo todo, mudo,
me comprimindo entre o passado e futuro,
eu nesse meio, nesse quente,
nesse frio, nesse peso, nesse denso chumbo.
Talvez a planície me permita em 360 graus
a visão do campo no qual fui colocado
para abrir a porta do vento, a palavra,
e brincar com a força do mundo
que circula e atravessa tudo, a poesia,
numinoso poder de transubstanciar
um dia em mil anos.
Talvez, sempre talvez,
cultivo da ilusão,
ao invés de dizer não. Não,
não sei nada, é o que digo então, o que sei,
sei vago, um vago, um nada, vagueio,
poeiras de estradas e verdes de vargens.
Intimas descobertas?
Ah, são insignificâncias...

Espera, descontinua esses passos!
Escuta o que disseste para ti mesmo, abrir
a porta do vento... a força do mundo... o numinoso...

Sim, sim, ó planície
te escuto, me escuto, falo,
me vou contente com a maciez das águas
quando atravesso os riachos
e com os suaves lençóis
quando encontro alguma estalagem.
Direi ainda... é magnífico respirar.
Ademais, em ti, ó planície, a respiração é estrelada.

23 novembro 2008

Estranho
(coisas das planícies)

... quadros na parede
na estalagem da noite.
Vida que impede, ou que pede
uma ruptura.
Paisagens avermelhadas,
gastas, e marrons, muitos marrons,
tons e outros nós de dor, óleo sobre tela,
temas ingênuos, pastiches. Vida pastiche,
por mais que se ande, na planície,
parece,
só a mente vai à frente,
ainda que plana e insana.
Os espaços,
os alvéolos, os céus, pulmonares anjos,
ares, espíritos cheios de entusiasmo por andanças
logo se esvaziam,
correm e drenam-se água pelo riacho.
Amor, entendimentos, direção,
pega-se no fundo a alma, a vida,
os passos que resistem,
segue.

...a estrada,
misteriosa serpente,
dissimula-se, ou revela-se numa bandeira
na mão de estranho viajante,
Adianta-se uma luta contra a planície ou
aprende-se com as agonias, o estranho sussurra-lhe.
Dor, agonia de que espécie? Pergunta-se. Específica?
não, nenhuma. Difusa, confusa, talvez dor de viver.
Viver pedra,
areia, poeira, amarelados tons planos,
anos tão rápidos. Ah, pesa no estômago um breu,
uma pretura de sonhos queimados,
passos não dados,
...a inominável agonia.
O estranho lhe oferece uma direção
e um estandarte em azul cerúleo
com estrelas em prata.
Ele agradece, não aceita, e se vai.

22 novembro 2008

Cheiro de especiarias

...seguia adiante para ir longe.
No coração uma sede, sede de vinhos
e nada mais do que uma velha canção nos lábios.
Ir longe. Longe é ir-se,
afastar-se sem medida certa,
curar dores sem chagas,
feridas sem úlceras.
Poente é nome bonito,
nunca vem, sempre vai,
a cada dia levando o que se quer prender,
o que se tenta.
Fica. O que fica
é a insensatez de um olhar sem fim sobre as planícies.
Olhação calma e sufocante.
Planícies desatam pensamentos,
derramam-se por dentro,
gozam e esgotam os espíritos pelos olhos
para soltá-los como aves tontas,
tantas que se esbarram
umas nas outras
nos horizontes,
em festa, andorinhas bêbadas, embriaguez de tardes.
Ah, Planícies exigem uma boa reza
antes do primeiro passo. Que melhor se leve
um escapulário. Depura-se,
e em vermelhos de jaspe
o sangue se refaz.
Salvação dos olhos, a noite vem e à planície encobre.
Que bastasse agora, rezava, no quarto da estalagem,
pousada só por uma noite,
o cheiro de especiarias e outros vindos do armazém ao lado,
aguardentes, palavras ditas,
cravos, café, couros, versos,
pimentas, perfumes.

21 novembro 2008

Dar-se consigo mesmo

...que falem
estes murmúrios de mil vozes.
O que importa na expedição é alcançar
o riacho. Aqui
é um deserto
com torres de petróleo abandonadas
que se avistam de longe,
num choque de melancolia.
Nas margens do riacho há pedras,
cascalhos e mais, mais, um desejo
inexplicável de atravessar para lá.
Ir lá.
Lá onde as vontades, todas
as contrariadas se amarram
na mesma corda e se arrastam
umas às outras,
fantasmas que não cessam jamais
de gemer. Ir lá
e desatar as correias,
soltar os búfalos, os cavalos,
os cachorros e seguir qualquer rastro,
de qualquer fera
para dar-se consigo mesmo
atravessado, desamestrado
qual vísceras esfaqueadas
e dizer,
sendo mais forte que o rumor,
e dizer: sossega,
desce, esquece
as escadas, a elevação, desce,
desce até à perfeição
do canto chão.

20 novembro 2008

Viver assim

... de nada valeu,
o assombro me desfez
e quando me reconstruí
uma rigidez de pedra
me sufocou o peito.
Lançar um olhar de amor
me custa um impulso
de um canhão.
Andei, pois que busco, não...
não haverei de falar,
me resseco nas palavras
me gasto e derrubo árvores
e prendo pássaros.
Não, não haverei
de falar, o deserto
aberto na minha boca
me enfia o sol goela abaixo
e o fogo cai no vão da cachoeira.
O silêncio arde em estalos
de madeira verde no fogaréu
e o suor, o suor é o sinal
da minha presença.
Sou eu me escorrendo no rosto,
o ultimo sal
dos mares que me gestaram
em sonhos e perspectivas de amores.
Agora me preencho de loucuras,
pequenas, bobas e
saudades. Saudade é outra vaziez
estúpida.
Estupidez viver assim
sem você.

18 novembro 2008

Sim,
quem,
quem,
se não você,
parte louco, um tanto sábio;
também ingênuo, mas iluminado;
um veio nostálgico, um traço dourado;
uma parte caminho, outra curva e atalho;
um bocado sofrido, outro tanto felizardo;
um tempo calado, certos momentos indignado;
um pouco resignado, outro, bem mais, rebelado;
às vezes confuso, muito mais tempo orientado,
uns dias nublado; outros, muitos, ensolarados,
se prestaria a olhar o mundo
com os olhos da poesia?

17 novembro 2008

Chega a noite

O dia se recolhe em paz,
o lago me olha em silêncio,
repenso ensinamentos.
Enquanto o sol no oeste se derrama em vermelho,
enrubesço pelos desejos do que ainda não aprendi.
Reverencio a noite e me ponho diante dos meus medos
com a confiança nos sonhos que ela vai me oferecer.
Eu estou longe, sozinho, saudades
finas me acariciam o coração,
tenho um longo caminho pela frente,
mas estou no lugar certo.

Os dias são trovões que caem,
um rio de ânsias se encachoeira em tentativas de vôos,
me engasgo com lágrimas e invocações.
Enquanto o sol no oeste sofre por apagar os dias,
afogueio-me de um amor que ainda não vivi.
Receio a noite sempre tão próxima enfeiando a tarde
com tormentos e pesadelos de não conseguir chegar.
Estou longe, caminho interrompido, saudades
finas mãos me apertam o coração,
aqui mesmo por hoje tenho que ficar,
mas estou no lugar certo.

A escuridão se instala em inquietação,
um pássaro da noite me olha com olhos de fogo.
Duvido dos ensinamentos.
No oeste se juntam espíritos soturnos e sopram
sobre meus caminhos agigantando sustos e incertezas.
Decido seguir com cuidado como animal felino,
os passos se firmam e logo sou rápido.
Estou ainda mais longe porque no escuro.
Nada me acaricia, nem me toca, algo me observa,
sem firmeza repito como em prece,
estou no lugar certo.

16 novembro 2008

Caminho

O dia se recolhe em paz,
o lago me olha em silêncio,
repenso ensinamentos.
Enquanto o sol no oeste se derrama em vermelho,
enrubesço pelos desejos do que ainda não aprendi.
Reverencio a noite e me ponho diante dos meus medos
com a confiança nos sonhos que ela vai me oferecer.
Eu estou longe, sozinho, saudades
finas mãos me acariciam o coração,
tenho um longo caminho pela frente,
mas estou no lugar certo.

Os dias são trovões que caem,
um rio de ânsias se encachoeira em tentativas de vôos,
me engasgo com lágrimas e invocações.
Enquanto o sol no oeste sofre por apagar os dias,
afogueio-me de um amor que ainda não vivi.
Receio a noite sempre tão próxima enfeiando a tarde
com tormentos e pesadelos de não conseguir chegar.
Estou longe, caminho interrompido, saudades
finas mãos me apertam o coração,
aqui mesmo por hoje tenho que ficar,
mas estou no lugar certo.
Um longo caminho pela frente
(primeiras palavras do aprendiz)

O dia se recolhe em paz,
o lago me olha em silêncio,
repenso ensinamentos.
Enquanto o sol no oeste se derrama em vermelho,
enrubesço pelos desejos do que ainda não aprendi.
Reverencio a noite e me ponho diante dos meus medos
com a confiança nos sonhos que ela vai me oferecer.
Eu estou longe, sozinho, saudades finas
me acariciam o coração,
tenho um longo caminho pela frente,
mas estou no lugar certo.

14 novembro 2008

Enfim, a visão

Visões, asas transparentes,
poços abundantes, fundos.
Em seu encalço, leste brilhante,
me encho de pensamentos, fartos, antigos.
Pensamentos velhos, velhos jequitibás,
no tronco mundo as fibras reconhecem a voz
de cada vento movimento de visões.
De tão velhos, jequitibás, estes pensamentos
estão sempre presentes. Esquecidos, voltam,
relembram o essencial, o que importa.
Os passos de quem busca visões riscam,
sem perceber, faíscas em lenha seca.
Me arde, me queima esta fogueira nos olhos. Procuro,
procuro as visões e me esbraseio de pensar, pensar,
este pensamentos jequitibás, fogo,
pensar o que é essencial, o que importa.
Ela me abraçava todo dia e eu não via,
um abraço comum, diário, rotineiro,
mas um abraço. Ela, a vida. Por todos os lados,
a vida, nada mais. Oculta, secreta, revelada. Dada.
...
Enfim, vejo. Ó! Vejo! Sim.
Carne suculenta de fruta plena de sabor. Fruta
florescida no descampado, preservada pelo lagarto,
doce arrebentando a casca e se entregando
às abelhas, aos pássaros, aos besouros
e ainda caindo mel viscoso no chão,
lindos pingos dourados e cheirosos.
A intenção sedutora sempre será
expor o caroço, a semente, o recomeço.
Felicidade! Ah! Eu aceito vosso abraço.
Ando somando contas passadas;
fogo do que se vive,
do que se é. Terra. Presentes
são muitas as somas que faço, ar.
O caroço que cai no chão agua o recomeço.
A visão enfim: fruta madura, rachada.
A poesia da visão: o que vou fazer com a felicidade?

13 novembro 2008

Fragmentos de um coração que busca visões

Desato a andar,
sigo pela praia,
subo o piraqueaçu,
remo, remo,
vou seguindo rio acima
para dentro do coração da terra.
O mar vai ficando, ficando,
as visões ainda são sonhos
dentro de mim, não me podem aparecer.
Largo a canoa, sigo a pé,
quando o caminho fizer a curva,
na hora certa, vou pender
pro lado do coração.
Oferecerei e plantarei meus sonhos,
a terra carinhosamente responderá.


... e depois eu ouvi,
retorna às montanhas,
abre o sol da porta e atravessa o deserto.
Não te assustes com o brilho
e com as sombras.
Toma a trilha do lagarto e
volta.
Encontrarás um vento forte
que te aliviará de dores guardadas
e te sentirás com os pés
firmes no chão.
Volta,
retorna para os montes.
Quando o lagarto cruzar com teus passos
terás uma possibilidade
de estar no lugar certo de uma visão.

11 novembro 2008

Vísceras do mundo, visões benditas

Saio pela tarde limpa depois da chuva,
me respingo de anseios, velhas agonias.
Algo me leva ali, logo mais ali, ali, nem quero ir.
Estou sempre perto de todo mundo
e já vou distante do ultimo olhar.
Vou me esconder, vou calar, vou procurar
as vísceras do mundo, visões benditas.
O que vejo é a folha da imbaúba, verde e prata
e acho, posso, ali, fazer cruzar a linha do espírito
com a linha das minhas tripas e rins e ver.
Fico, e não vejo, vejo a folha da imbaúba
que vira e desvira, ora prata, ora verde. Recordo-me,
as visões podem se ancorar em qualquer insignificância.
Fico, olhar fixo, nada, nada, desanimo, penso,
a tarde é triste, anoitece, eu sozinho, desolado,
quero voltar para o barulho das crianças,
ver minhas crianças, minhas alegrias.
Começo a cantar o velho canto que surge do nada,
do tudo que já vivi. Olho para a imbaúba, longa,
ela também tem a mesma sina, ela só é
o outro modo do mesmo espírito que me vaza
e me derrama líquido em forma errada, de gente,
quando quero vôos altos, de águias
ou rasteios de serpentes. Recolho-me em mim.
Canto. Algo se dissolve. Canto os velhos cantos
em lamentos, em louvor. Escorre.
O canto vai se ajustando ao rumor do coração
me solto, me desprendo, subo, subo, subo
mais alto que a imbaúba e escuto o mundo
e todos os sons formando uma só canção
que canta minhas lágrimas e meus risos.

10 novembro 2008

Primeiras palavras - titubeantes - do que busca visões.

Aconteceu, acontece.
As visões eram tão claras,
mas, anoitece. Ouço tão bem.
A chave. A porta se fechou.
Espero, procuro, busco
até que uma visão me pegue
indefeso no deserto,
ou remando minha canoa...
Não sei se devo falar, falo, me atraso
talvez, ter visões implica em calar,
escutar. Aconteceu, já aconteceu,
mas ainda acontecerá,
acredito, nas jornadas que tento,
que passo, que me vou.
Um olho, caolho, o do dia,
me treina para ver as coisas retas;
vem o outro, da noite,
caolho também, e me treina
para ver as convexas, não menos certas.
Me mantenho em atençao. Canto.
Meu propósito, visões. Canto.
Agora sou este que via e deixou de ver,
o que anda e ouve. Ouço tão bem, vivo
destes desejos de visões,
ou... obrigações de visões.
Elas me aguardam em seu lugar.
Eu devo estar fora do meu. Canto.
Visões, poesia, para quê?
Para onde correm
estes filhos de homens?
Não querem visões,
mas choram olhos de ardência,
desejos. Violência... Oh!
Para ir lá onde elas estão percorro longas distâncias
caminhos que ando, escolhi o leste. Arrisquei.
Confundirei visões com luz de frente, nascente?

Ouço essa música de temores, dores,
os alicerces abalados.

Tenho medo...

Não, o som é do vazio
que se faz cheio. A música
dos inícios,
do alegre fogo recém aceso.

Ouço.

Ouvir...

pode já ser a barulho da porta
que se abre.



07 novembro 2008

Encontrando o remédio
(encerrando os poemas do curador)

Salto, esperto, desperto,
amanheço atrasado e escondido
sobre o olho que me viu com a onça.
Rasgo com a lança o círculo no chão
repartindo o centro da flor em pedaços,
a flor do olho, o espaço em quatro
e sobre cada quarto eu permito que o sol
me chame a atenção, a coragem, o ânimo
e levante meus pés para a dança.
Um quarto do olho me enche de ipê-amor,
a outra parte da flor me angico-purifica,
o outro quarto me abre para novo copaíba-saber,
o último me confirma, me altera, me revela
o espírito urucum vermelho nas mãos e um,
um vento, um cheiro, um tambor por dentro que diz:
o que chora, o que se agita ainda espera por ti,
já é hora, volta, volta onça correndo homem,
antes que te esqueças a ternura e a quentura
da fonte que correu para a tua mão. Cura!

06 novembro 2008

Um bicho poderoso de quatro patas
(buscando o remédio)

Traço no chão com cuidado o mundo do meu olho,
dentro dele me deito com as mãos sobre o peito.
Relembro os passos com o gavião,
o sol, os riachos, os pássaros.
Recordo as andanças com o bacurau,
o céu, as sombras, os astros.
Mas o remédio se esconde talvez
nos silêncios das planícies e charcos;
ou antes, ou depois, ou debaixo
de cada passo, de cada pensamento,
ou dentro, quem sabe, da percussão do tambor.
Dor, amor, destino,
tudo amarrado num único nó.
Medito deitado: o que quero?
Reavivar alguns sonhos e ser um com eles,
descansar sobre folhas perfumadas,
me acalentar com histórias que ouvia quando menino.
Durmo não durmo. Duvido. Me deixo levar.
No escuro, sozinho, me retraio, me encolho.
Mas vejo... Sim, vejo... Penso que vejo
entre as fogueiras no céu e as fumaças na terra
um bicho poderoso de quatro patas.
Oh! Uma onça?
Uma onça que me mata...
não, que me marca
com quatro tiras de sangue no braço,
fontes que escorrem para dentro da minha mão.

05 novembro 2008

Buscando o remédio

Tropeço, caio, desajeito meus esquadros
sigo estes passos, espaço entre eles
sementes e ventos de bons pensamentos
que robustecem meus nervos.
O que chora, o que se agita espera por mim.
A febre maldita, as dores, os ais
me caem na mente com baque de chumbo,
no fundo, no fundo me determino ainda mais.
A paz que não tenho, só é paz nos meus passos,
na busca que faço o jeito é seguir, impossível não ir.
No destino a senda, a sina, a solidão e não desistir.
O cruzeiro luminoso se agarra em meus olhos,
me guia no escuro, me ensina o caminho do sul,
mas na busca não danço, me canso, não encontro
a árvore, o cipó, a resina, a folha, a raiz.

04 novembro 2008

O azulão me autoriza

Um desejo, fugir,
no entanto, aqui me ponho de pé, presente.
Estabeleço os olhos nas montanhas ao norte,
doem-me os ossos, permaneço de pé,
jacarandá, sucupira, peroba.
O pensamento veloz me diz,
honra e respeito no primeiro olhar,
honra e respeito no segundo olhar.
Penso outro pensar sem saber o que penso,
suponho, devo olhar pelos olhos dos pássaros.
O pensamento veloz me diz,
o olhar que se demora em carinhos
contorna todos os lados
e derrama-se para dentro,
nos dentros mundos dos olhos.
Lá se enxergará a palavra certa
e com ela deve-se descer ao fundo
ao fundo do fogo, à brasa,
ao vermelho, ao sangue,
então se dirá o que se quer dizer,
então se dirá exatamente a leveza,
o perfume, a cor do que se quer dizer.
Estremeço calado. O sol cai
e não há alegria. Nem inspiração.
O pensamento veloz diz,
dança o circulo que desenhaste
sem deixar que passem as horas.
Pára o universo com o chocalho.
Danço, danço, danço
nas estrelas, nos cometas
nas ardências da fogueira,
enquanto me entra pelas narinas
um ar frio de chuva fina
e me torno amor, brejo, beijo,
brasa, flor, azul, natural,
igual à tudo que me rodeia,
pedra, gravetos, folhas, lagarto.
Endendo-me, tenho a chave
num breve e doce momento.
Na madrugada quando o fogo se apaga,
o azulão se arrodeia de mim
e canta uma força que me autoriza: diz!
Eu digo.

03 novembro 2008

Outro pássaro, o que reergue o sol

Vou, quebro, digo,
este vaso, esta taça
este vidro. Vem comigo?
Solto o pássaro
que voa tão perto
e me canta aos ouvidos
os segredos antigos.
Vou, não me impedirei.
Tenho que ter pressa,
o perfume já sobe
e não há quem o sinta.
Tudo será outra coisa,
areia e pó,
se a palavra não for dita
com o canto certo.
Canta comigo?
Quebro o que espera
ser dia, já me vou cansado
das noites. Deixei
de lado a dança
para guardar este vaso
sem poção, sem água,
sem transformações.
A secura me persegue,
basta.
Mistura de ervas,
é o que farei
num novo vaso,
ou no mesmo, o antigo,
descascado,
como fruta aos lábios,
onde deambularei a mistura
até acontecer...
Dançarei
o círculo que
eu mesmo risquei.
Vou, quebro, digo,
dança comigo?
Ouço que me canta ao ouvido
outro pássaro,
que já reergue o sol,
o pintassilgo.

02 novembro 2008

A chave

A chave, a sorte,
dos montes aos vales
eu busco com pressa,
mas ando por passos,
olhando os sonhos
que o horizonte amplia.
Profundas raízes,
muitos nomes tocando-me,
dizendo quem sou,
desejando meus passos,
seduzindo-me
em peripécias e círculos.
Encontro o curió,
presença e inspiração.
O tempo cantando e indo
em várias direções
não é o curió,
tenho dúvidas.
É outro pássaro menor,
ainda mais bonito e leve,
canto de fogo em metal líquido
que escorre para as águas
de um rio, o rio perdido.
Encontro uma chave.
Estabeleci com seixos
o altar da gratidão e oficiei o rito,
mas quando abri aquela entrada,
no instante em que me vi
nas transparências do rio,
vi outra porta fechada.

01 novembro 2008

É assim mesmo o amor?


Já não sei onde me procuro.
Em mim estás, mas não me encontro mais
em teus olhos.

Em cada procura da alma afoita,
na minha pele mais alva, de timidez, escondida,
no horizonte de encontro dos lábios em prece,
...estás.

Nos cheiros que o coração me faz transpirar,
nos recantos do ouvido que aguardam sussurros,
nos vales e rios de carinhos da ponta dos dedos,
...estás.

No gesto de abraço que precede o sorriso,
no rumor gutural que se transforma em voz no eu te amo,
no arrepio, na base de cada pêlo eriçado,
...estás.

Nas pequenas salas em que se distinguem sabores na língua,
na maré dos oceanos de olhares voluptuosos,
no fluxo vulcânico de sangue, de amor, rijo,
...estás.

Estás em mim e não entendo
por que não me encontro mais
em teus olhos.

Teus olhos tão claros
não de cor, escuros que são,
mas claros de amor, agora são turvos.

Esgoto-me de olhar e não vejo reflexo
em lugar nenhum, como se o sol,
um outro, de dentro,
de lá não mandasse mais brilho e calor.

Tu me tentas convencer dizendo
que é o mesmo o amor que me tens,
me tratas com tanto carinho,
há uma ternura tão linda no teu jeito de falar
que sinto vontade de ficar,
ficar, ficar, ficar ao teu lado.

Mas...

mas onde andei foi em caminhos de brasas
e sei que em cinzas agora é que piso.

(É assim mesmo o amor? ...Fênix?
Um universo se acabando
e outro, diferente, surgindo, estranho).