Ao abraçar minha mãe
- arcano do céu desvendado em amor cotidiano -
senti na sua pele branca de mãe italiana,
vindo do interior do seu coração,
o bálsamo indescritivelmente bom
de salas com tetos altos, janelas amplas,
portas abertas, acolhida certa,
horta orvalhada, montanhas altivas...
... e lembrei,
forçado por movimentos agradáveis no peito,
do interior do Estado do Espírito Santo
de onde migramos nos anos setenta.
Vitória, ó cidade de Vitória!
Uma das mais lindas do Brasil.
Tu és agradável aos olhos como uma visão de mãe,
mas o interior, o interior do Espírito santo,
ah, o interior...
... é Deus.
23 setembro 2007
22 setembro 2007
Canções que não se repetem
Uma poesia se dará quando
ao andar na rua apressado e cansado
na claridade despercebida e linda, mais que a do verão,
os olhos se abrirem em insólito encontro
com o ipê desfolhado, feio e torto,
tocado pelo vento de setembro,
se preparando para florir.
Mas ao perceber a singularidade do momento
e ao voltar os olhos para a mesma cena
ela já será outra,
demudada num segundo
desfeita e refeita em outras
canções que não se repetem.
ao andar na rua apressado e cansado
na claridade despercebida e linda, mais que a do verão,
os olhos se abrirem em insólito encontro
com o ipê desfolhado, feio e torto,
tocado pelo vento de setembro,
se preparando para florir.
Mas ao perceber a singularidade do momento
e ao voltar os olhos para a mesma cena
ela já será outra,
demudada num segundo
desfeita e refeita em outras
canções que não se repetem.
-
Dauri Batisti
19 setembro 2007
Se não posso ser muitos, o mesmo é que não serei
Quando as letras se levantarem no horizonte em frases
trançarei em vingança cada palavra na areia para ver
o que restará quando a maré encher
e levar, apagar, essas letras desgarradas
que se negam a construir meus outros eus
visto que decidi ser mais que um
e escrever vários poemas ao mesmo tempo.
Mas meus olhos se gastam nesse azul lindo sobre o mar
e me canso das madrugadas não dormidas
acocorado sobre o morro dos reis magos
esperando essas letras que demoram além da paciência.
Embravei-me e desorientado digo,
não procurarei mais nenhuma palavra,
pois que há outro perigo em avizinhamentos
a me pedir urgência em decisões.
Não darei distinção a nenhum sentimento
só escutarei e perscrutarei o que vem subindo,
aparecendo, tecendo uma rede, alinhavando o chumbo nas franjas
e que se arremessa ligeiro sobre um corpo que é o meu,
peixe que sou eu preso de mim mesmo,
vazio de novas, distintas, líricas expressões.
Porém, tenho nas mãos um canivete afiado pra romper essa trama.
Aproveitarei as linhas e debocharei das palavras, que já serei outro
com asa e tudo, pronto pra me mandar.
Se não posso ser muitos, o mesmo – presa fácil – é que não serei.
Haverei de pegá-las no ar e acertarei contas com elas,
escrevendo naquelas linhas entrecortadas um conto sem sujeito
e morrerei de rir.
trançarei em vingança cada palavra na areia para ver
o que restará quando a maré encher
e levar, apagar, essas letras desgarradas
que se negam a construir meus outros eus
visto que decidi ser mais que um
e escrever vários poemas ao mesmo tempo.
Mas meus olhos se gastam nesse azul lindo sobre o mar
e me canso das madrugadas não dormidas
acocorado sobre o morro dos reis magos
esperando essas letras que demoram além da paciência.
Embravei-me e desorientado digo,
não procurarei mais nenhuma palavra,
pois que há outro perigo em avizinhamentos
a me pedir urgência em decisões.
Não darei distinção a nenhum sentimento
só escutarei e perscrutarei o que vem subindo,
aparecendo, tecendo uma rede, alinhavando o chumbo nas franjas
e que se arremessa ligeiro sobre um corpo que é o meu,
peixe que sou eu preso de mim mesmo,
vazio de novas, distintas, líricas expressões.
Porém, tenho nas mãos um canivete afiado pra romper essa trama.
Aproveitarei as linhas e debocharei das palavras, que já serei outro
com asa e tudo, pronto pra me mandar.
Se não posso ser muitos, o mesmo – presa fácil – é que não serei.
Haverei de pegá-las no ar e acertarei contas com elas,
escrevendo naquelas linhas entrecortadas um conto sem sujeito
e morrerei de rir.
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Dauri Batisti
17 setembro 2007
O que dói
Quando qualquer coisa assim dói
e não se sabe onde,
nem no corpo é,
tampouco no outro lado dele
que se diz alma,
é no fim do dia que dói,
pois que o dia é parte da gente
é o membro que não se sente,
mas dói.
e não se sabe onde,
nem no corpo é,
tampouco no outro lado dele
que se diz alma,
é no fim do dia que dói,
pois que o dia é parte da gente
é o membro que não se sente,
mas dói.
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Dauri Batisti
16 setembro 2007
Cordas de violão
O homem na noite longa
pensa e pesa.
O filho não chega da casa do rei
que não tem coroa, dinheiro muito é o que tem.
E armas também.
O sono pesa, na água afunda, os olhos fecham.
Uma música salvará a vila.
A música que ninguém conhece.
O menino gosta de violão,
quer voltar a tocar.
Há de comprar novas cordas.
Mas ele anda muito ocupado
a serviço do rei. Agitado, assustado.
Ninguém canta, os monges tentam, mas não funciona.
Que monges, que nada! É a tv.
Os demônios se alvoroçam, fazem ouvir seu murmúrio zombeteiro.
Algo reage, a alma quiçá, ou o que está nas vagas
entre o coro dos monges e o coração.
Quer subir, abrir as asas, voar sobre a cidade
e descobrir onde o menino está.
Estampidos, música de demônios.
Estampado no chão. Mãe assustada, pai cansado.
Esperança? Não, nenhuma. Mataram mais um.
Na porta de casa. O filho talvez.
O menino se debate, sonha que na água afunda
- o mar é vermelho -
e quer acordar
pra subir,
subir
com as cordas nas mãos.
pensa e pesa.
O filho não chega da casa do rei
que não tem coroa, dinheiro muito é o que tem.
E armas também.
O sono pesa, na água afunda, os olhos fecham.
Uma música salvará a vila.
A música que ninguém conhece.
O menino gosta de violão,
quer voltar a tocar.
Há de comprar novas cordas.
Mas ele anda muito ocupado
a serviço do rei. Agitado, assustado.
Ninguém canta, os monges tentam, mas não funciona.
Que monges, que nada! É a tv.
Os demônios se alvoroçam, fazem ouvir seu murmúrio zombeteiro.
Algo reage, a alma quiçá, ou o que está nas vagas
entre o coro dos monges e o coração.
Quer subir, abrir as asas, voar sobre a cidade
e descobrir onde o menino está.
Estampidos, música de demônios.
Estampado no chão. Mãe assustada, pai cansado.
Esperança? Não, nenhuma. Mataram mais um.
Na porta de casa. O filho talvez.
O menino se debate, sonha que na água afunda
- o mar é vermelho -
e quer acordar
pra subir,
subir
com as cordas nas mãos.
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Dauri Batisti
13 setembro 2007
Andante
A lendária ruína se avistava de longe
bem no alto da montanha infecunda.
O andante perguntava que ilusão aquela teria sido
de construir em região tão deslembrada,
só trilhas, montanhas escarpadas, terra batida.
Com o eco a pergunta voltava e batia nele com força
indagando sobre a jornada aquela mesma que ele fazia,
feita por outros, decerto perseguindo os mesmos horizontes.
Ele não sabia a resposta, não cantava vitória,
seguia na luz daquele dia.
Cada passo sangrava o caminho conquistando territórios
onde só uma labuta seria possível.
Nem vinhas, nem trigo;
nem girassóis, nem milho;
nem abelhas, nem papoulas;
nem criação de ovelhas, nem de cabritos;
nem construção de santuários, nem de guaritas.
A única faina seria a daquele dia:
seguir, segundo a instrução recebida,
sem perda de tempo,
atravessando o vale,
assobiando,
se possível.
A lendária ruína já se avistava de perto
quando o andante perdeu o passo
e deu de cara com um diamante.
bem no alto da montanha infecunda.
O andante perguntava que ilusão aquela teria sido
de construir em região tão deslembrada,
só trilhas, montanhas escarpadas, terra batida.
Com o eco a pergunta voltava e batia nele com força
indagando sobre a jornada aquela mesma que ele fazia,
feita por outros, decerto perseguindo os mesmos horizontes.
Ele não sabia a resposta, não cantava vitória,
seguia na luz daquele dia.
Cada passo sangrava o caminho conquistando territórios
onde só uma labuta seria possível.
Nem vinhas, nem trigo;
nem girassóis, nem milho;
nem abelhas, nem papoulas;
nem criação de ovelhas, nem de cabritos;
nem construção de santuários, nem de guaritas.
A única faina seria a daquele dia:
seguir, segundo a instrução recebida,
sem perda de tempo,
atravessando o vale,
assobiando,
se possível.
A lendária ruína já se avistava de perto
quando o andante perdeu o passo
e deu de cara com um diamante.
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Dauri Batisti
11 setembro 2007
Ou
O que diz,
o que grita,
o que conta ou explica
esse sobradão italiano na foto envelhecida?
Casa de onde saiu minha mãe querida pra casar.
Casa de travesseiros cheirosos, leite e pão
e muitos risos.
Ali ele está no interior do estado brasileiro que é do santo
ou do espírito.
É a singularidade não destacada
ou a beleza despercebida?
O delírio desiludido e nostálgico
ou a cristã esperança assumida?
Deve ser só minha sede de vida nova
espelhada na antiga.
Ou...
o que grita,
o que conta ou explica
esse sobradão italiano na foto envelhecida?
Casa de onde saiu minha mãe querida pra casar.
Casa de travesseiros cheirosos, leite e pão
e muitos risos.
Ali ele está no interior do estado brasileiro que é do santo
ou do espírito.
É a singularidade não destacada
ou a beleza despercebida?
O delírio desiludido e nostálgico
ou a cristã esperança assumida?
Deve ser só minha sede de vida nova
espelhada na antiga.
Ou...
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Dauri Batisti
09 setembro 2007
Festa da poesia
Inhames, inhames, inhames.
Tive que repetir estas palavras
para me tirar do chão.
Inhames, inhames, inhames.
Procurei na repetição a poesia única
que me levantasse o olhar.
(como é triste sofrer de olhar-caído).
Inhames, inhames, inhames.
Levantei-o com custo.
Foi difícil romper o anseio
de dormir, de ficar, de não ir à festa da poesia.
Além de falar, e sem forças, comecei a escrever.
Inhames, inhames, inhames.
Minha mão não queria parar,
havia um silêncio que me prendia
e me construía com cada letra de inhame.
Ao final, minha outra mão me interrompeu e
me apontou uma jurisdição de mim mesmo
alagada, iluminada por um “sol”
(usei as aspas para parecer que o sol brilha)
e uma imensa plantação de inhame.
Ah se o inhame enflorasse!
No ritmo dos anos 80 (lembra?) comecei a cantar.
Inhames, inhames, inhames.
A poesia apareceu, aconteceu.
Não por que cantei, mas o inhame enflorou.
Infames, aceitos, rizomáticos desejos de sei-lá-o-quê
e outros tantos; o que foi e o que vai ser,
flor-de-inhame.
(maravilhoso mundo das palavras,
da escrita que redesenha o mundo,
desafia a deus, desdenha da morte
e faz a festa)
Tive que repetir estas palavras
para me tirar do chão.
Inhames, inhames, inhames.
Procurei na repetição a poesia única
que me levantasse o olhar.
(como é triste sofrer de olhar-caído).
Inhames, inhames, inhames.
Levantei-o com custo.
Foi difícil romper o anseio
de dormir, de ficar, de não ir à festa da poesia.
Além de falar, e sem forças, comecei a escrever.
Inhames, inhames, inhames.
Minha mão não queria parar,
havia um silêncio que me prendia
e me construía com cada letra de inhame.
Ao final, minha outra mão me interrompeu e
me apontou uma jurisdição de mim mesmo
alagada, iluminada por um “sol”
(usei as aspas para parecer que o sol brilha)
e uma imensa plantação de inhame.
Ah se o inhame enflorasse!
No ritmo dos anos 80 (lembra?) comecei a cantar.
Inhames, inhames, inhames.
A poesia apareceu, aconteceu.
Não por que cantei, mas o inhame enflorou.
Infames, aceitos, rizomáticos desejos de sei-lá-o-quê
e outros tantos; o que foi e o que vai ser,
flor-de-inhame.
(maravilhoso mundo das palavras,
da escrita que redesenha o mundo,
desafia a deus, desdenha da morte
e faz a festa)
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Dauri Batisti
08 setembro 2007
Desaguar numa nova manhã
A estranheza do olhar
não está no rio no-fim-do-dia,
na tarde feita de escória de cores.
A estranheza está no que se foi
no que ainda não veio,
no fora que já é noite, entrementes.
Eu me imaginei firme como uma rocha
um São Pedro-de-botas
altivo e feliz.
Sou só a dobra dessa noite fora,
fluidez e acontecimento,
que se faz sentir como um rio.
Não é sem sangue
que me reviro de um lado para o outro
em lençóis suados
em cada palavra escrita
para desaguar numa nova manhã.
não está no rio no-fim-do-dia,
na tarde feita de escória de cores.
A estranheza está no que se foi
no que ainda não veio,
no fora que já é noite, entrementes.
Eu me imaginei firme como uma rocha
um São Pedro-de-botas
altivo e feliz.
Sou só a dobra dessa noite fora,
fluidez e acontecimento,
que se faz sentir como um rio.
Não é sem sangue
que me reviro de um lado para o outro
em lençóis suados
em cada palavra escrita
para desaguar numa nova manhã.
-
Dauri Batisti
05 setembro 2007
Interstício
Estou num interstício
indo e vindo
procurando resistir.
Não crio nada de coerente
só me debato contra as correntes
sangro e choro esse desejo
que me impõe um aqui
me inventa
venta como deus
me sopra nas narinas
e me faz “feliz”.
Me produz entre aspas
me cobre com uma capa
E me diz:
desapareça
indo e vindo
procurando resistir.
Não crio nada de coerente
só me debato contra as correntes
sangro e choro esse desejo
que me impõe um aqui
me inventa
venta como deus
me sopra nas narinas
e me faz “feliz”.
Me produz entre aspas
me cobre com uma capa
E me diz:
desapareça
-
Dauri Batisti
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