30 junho 2008

Tenho que me acender

Tenho que me acender.
Já é hora de parar de complicar.
Não existe mais essa...
O que existe é outra coisa.
Sim, essa de poetas...
O que existe é a falta,
o que existe é a fala, de muitos,
gemidos, sem estilo,
(estilo? o que é isto?)
em dialetos vários,
de vários modos,
rumores, gaguejos.
Gritando, gritando, gritando,
estão todos gritando.
Os livros de poesia estão no canto,
num canto calado, livros calados
no canto das livrarias.
Elas (quem? As poesias, talvez) morrem
nos livros. Não se vende, não se compra, nem se doa.
O meu grito, rumor, pigarro,
escarro não cuspido, expresso aqui,
peço licença ao dauri
e digo... é um pedido o que tenho,
é o que sou. Sou um pedido.
O que posso pedir? Um olhar,
dois amores, não vou negar,
ou um grande amor, muitos olhares,
brasas, pomares, mares, visões.
O que quero é sair correndo
e te alcançar ao ar livre e te abraçar,
nos campos ou na praia e depois,
só depois (quanto tempo não sei)
me levar para escrever
qualquer coisa (sem valor, dirão.
O que vale o quê? Perguntarei.)
só pelo prazer (ou pela dor)
de ressentir a vida.
Só o acendimento alonga a vida.

27 junho 2008

Sem condições de resistência

Se eu pudesse - sinceramente lhe digo -
sondar agora em mim o que se passa,
pássaro que voa ligeiro num coração dividido,
que iludido se imagina certo e decidido, eu sondaria.

Mas o que me acontece não me permite
examinar o pensamento que voa,
como se viesse de um outro universo
ainda que dentro do mesmo coração.

Procuro me manter fiel aprendiz
e anseio pousar meus entendimentos
sobre os segredos que um cavaleiro,
para se fazer quem é, precisa conhecer.

Coragem, bondade, pureza. Procuro.
Meus pensamentos, contudo,
os mais leves e claros,
os mais sinceros e espontâneos

voam para as suas flores e lagos
se banham e se encharcam de vinhos
e amores, muitos amores,
os que você me dá, os que você me toma.

Embriagado de estranha lucidez,
sou forçado a dizer: não, não me vou entender
Abandono-me, é melhor.
Sem treinos, nem anseios, só amor. Meus caminhos,

tanto os que trilho com a sola áspera dos pés,
quanto os que faço com as asas perfumadas do espírito
me levam, sem condições de resistência,
até Você.

24 junho 2008

Aço-topázio
(nova exortação ao autor do blog feita pelo honorabilíssimo escriturário corregedor)

Necessitas, para escrever, tecer tua voz
com os fios que costuram o coração.
Necessitas esmerilhar no ouvido a escrita,
essa palavra que andas deixando por aqui.
Por suposto palavra apresentada
como metal batido e rebatido,
liso, polido, aço-topázio trazido
de lá, de longe, do outro lado,
depois da ponte, do fundo dos rios
do país das noites, da terra das canções.
Venho apressado e trago-te um aviso,
não me faças o tempo perder.
Hás de retornar com a tua caravana,
e... silêncio!
Vão longe as trilhas para as velhas e ricas minas.
Na verdade, mal passaste pela ponte, e já voltaste.
E o que é pior, a ti mesmo é que enganas.
O que trazes não se fez em solidez, é pó.
Esterco e cascalho batido pelos teus pangarés.

22 junho 2008

Sete dias

Céu sem estrelas,
rosário sem flores,
lobos incolores,
traiçoeiros.
Dores, dores,
sete dias mortais.
Você acreditava, contudo,
num certo vento poderoso
que viria de repente numa noite
trazendo paramentos escarlates
roubados de distantes varais,
e línguas de fogo.
Seria tão bonito!
Inventaríamos um jeito
de consagrar o mundo
com nossos ritos,
corpo e espírito,
fogo e amor.
Mas o vento não veio
e você se foi.

19 junho 2008

Noite

Somente uma linha de luz de uma lua crescente
surgia de vez em quando na noite e logo desaparecia
por detrás das soturnas montanhas de nuvens.
O que eu tinha ali era o que eu sentia,
uma dor que me desfazia e se desfazia de mim,
debochando da inutilidade dos meus olhos arregalados
dentro de uma indiferente, fria e poderosa escuridão.

Olhei, olhei, não vi nada, nem perdida alma
que pudesse me oferecer uma faísca de vaga-lume.
Fiquei sozinho, me parindo, me esvaindo
por um fio espesso de solidão e medo
que escorria em um frio rio na linha da espinha.

Foi nessa noite, tempo de ontem tão perto de amanhã
– noite em que nasci, filho abençoado no escuro –
que aprendi a riscar palavras nas paredes internas da casa
para ganhar luzes de fagulhas enquanto escrevia:
O sol vai raiar. O sol vai raiar. O sol vai raiar. O sol vai raiar.

17 junho 2008

Uma simples xícara de café

Uma simples xícara de café
com um amigo
vale mais
do que mil poemas.
Poemas eu escrevo quase todos os dias
para que me lembrem sempre
que uma simples xícara de café
com um amigo
vale mais.

16 junho 2008

A noite não dava tréguas
Da estrada batida pelos cascos do cavalo subia o único som claro. Do mais, aquele resto de noite era preenchido por pequenos ruídos indistintos, de insetos, de pequenos animais, de aves melancólicas e desorientadas. Havia o leite para tirar, não poderia deixar as vacas sem a ordenha. Mas, ó Deus, não era hora agora de pensar nisso, tinha que se preocupar com a mulher que se contorcia desde a tarde do dia anterior em anúncios de parto complicado. Devia ter procurado a parteira logo, o que não fez pensando que seria como dos outros cinco filhos, tudo aconteceria na hora certa como sempre, bem, e o choro da criança encheria a casa sem que ele tivesse que mudar muito sua rotina. Era diferente agora, no entanto, e por volta de duas da madrugada se ia apressado buscar a parteira, rezando para que nada acontecesse de ruim com sua mulher sozinha em casa com as cinco crianças pequenas. A criança estava se apressando na hora. O dia previsto estava adiante no calendário e ele se sentia quase que enganado. A maiorzinha de doze anos fora bem orientada e cuidaria dos pequenos e da mãe enquanto ele estivesse fora. Ficou tão assustada ao ver a mãe se contorcendo em dores na cama, que só poderia prometer ao pai tudo que ele pedisse... Filhos ele os tinha, mas atenção para os mesmos quase não dava. Mereciam mais seus cuidados os animais, o gado, os cavalos. Não gostou de pensar assim apesar de ter que admitir que, a despeito da brutalidade de que se valia na lida com os bichos, mais estava na companhia deles do que das crianças. Sinuosamente nas curvas das montanhas dominadas pela escuridão da noite, a estrada seguia. Seus olhos rentes com a aba do chapéu iam adiante, fixos, como se não vissem nada mais além da estrada que cortava a terra. Ia procurar a parteira antes do previsto assim como cantava fora de hora um pássaro - sabe se lá qual - visto que sua atenção não se resguardava para ouvir passarinhos, mesmo que o pio do bicho provocasse arrepios. Benzeu-se, pois passava exatamente pela cruz do Gervásio, plantada logo ali, naquela árvore pela qual sempre passava apressado e que exigia atos de devoção e preces. Esse tal fora namorado da Maria e o dito maldito se tinha enforcado exatamente no dia do seu casamento como pra ficar pra sempre perto dela. Acelerou o galope enquanto em voz sussurrada pedia que lhe valesse o canto do pássaro noturno como de um anjo a anunciar o nascimento feliz da criança. Apesar do galope a noite não dava tréguas.

15 junho 2008

Algo escorria, algo amarelo

O vento sem gritaria
soprava bolhas brilhantes sobre a parede.
Lá elas batiam e estouravam.
Algo escorria, algo amarelo
como se fossem ovos,
mas não eram.
Aproximei-me com nojo
com luvas e encobrindo o nariz.
Olhei, analisei, vi
o que era amarelo
era ouro que escorria,
um ouro que nada valia.
Eram decepções.

12 junho 2008

Aquele olhar

Normalmente fico bem,
assim feliz, mesmo que meio triste.
Quando me deparo com aquele olhar,
o maior, um sol, um lago, parece que vôo.
Não! Engano-me. Sou lançado longe
por detrás da sétima camada da alma
e bato, me quebrando todo, no áspero granito.

Forço-me e quero ficar bem,
assim feliz, apesar do baque na pedra.
Quando me deparo com aquele olhar
o menor, pequena chama, gota d’água, parece que vôo.
Não! Engano-me. Sou arremessado longe
por detrás do sétimo sonho perdido
e caio, me quebrando todo, no áspero granito.

Mas,
apesar dos baques
o que mais quero a cada dia
é rever aquele olhar,
Única prova de que na vida pode haver
amor.

11 junho 2008

Jardim do segredo

Já não espero que me venha de longe, do céu
a felicidade que já tenho aqui tão perto.
De agora em diante eu evoco a mim mesmo
como lavrador do jardim onde decerto vou colher
a rara orquídea feliz que te oferecerei
e que só desabrocha pelo calor dos meus carinhos.
Felicidade? O que imaginas, minha querida?
No jardim é que conheço o mistério de ser feliz.
Sou feliz ao abrir a porta para sair para o jardim
e feliz ao voltar e abrir a porta para te encontrar.
Ah! O mistério se desdobra e revela os segredos.
Se me vem tristeza eu escolho os pés e pronto.
Sou feliz quando piso firme e chego cheio de saudades
e quando, por conta de um amigo, perco o passo e me atraso.
Mas, para cada momento tenho que descobrir novo código.
Escolho ser feliz ao lavar o rosto na água feliz da torneira
e ao enxugá-lo nos perfumados fios
da flor de algodão da toalha que me entregas.
Sei, vacilo na fé, e apesar de deter o segredo,
de saber da felicidade viva, desabrochada nos instantes,
me sinto, muitas vezes, longe, longe. Então?
Sou feliz, minha querida, recolhendo no jardim estas palavras,
poemas, momentos, rebentos, alguma flor. ...mas, confesso...
ainda não consigo ser feliz ao ler o que te escrevo. Falta.
Preciso retornar solitário ao jardim, muitas vezes. Perdão.
Há um desejo de abandonar o cultivo. Tu não me deixas.
Então clamo a mim mesmo o que já clamei aos céus.
Ó lavrador! Renova o gosto pelos teus canteiros.

10 junho 2008

Dizer, dizer com prazer, é o que conta

Já vou indo e dirigir me causa um prazer lindo,
maior que a estrada. De onde virá a letra que se somará
a outra e formará a palavra exata, os bytes que falarão?
Já vou indo, pra dizer um sentimento. Que seja bonito.

Forço o olhar no dia azul de junho, pensando,
e à noite levemente fria exponho minha pele como radar.
Quilômetros e quilômetros. Uma letra, outra, uma palavra,
um sentido, outro, arranjados em rosas de papel.
Não há súbito entusiasmo criador. Há dor, flor, há que se viver.

A única coisa a fazer é cortar uma letra depois da outra
com um instrumento que se assemelha a uma tesoura;
lábios e língua se ajustando em ensaios,
cortes e recortes experimentando sons, formas, rosas;
e então colar cada folha e as pétalas com um tal grude.

As tristezas e esperanças bobas compõem o grude.
Também as dores e alegrias ingênuas, gosmas escorridas
e somadas às lágrimas de risos - que de tão fartos fazem chorar -
do que se vive, de quem se é. Dizer, dizer com prazer, é o que conta.
Não importa a dor, nem a cor, nem os dias.

Seta ligada, redução de velocidade. Entrar no posto.
“Por favor, encha o tanque. Tenho uma longa estrada adiante.”
“Bonita música esta que o senhor está ouvindo... não entendo bem...
fala de amor?”

09 junho 2008

Os pássaros que recebi do rei

Antes eu disfarçava
minha beleza estranha,
meu poder de nada,
senão de olhar.

Dane-se agora quem não me quiser ver.
Vou deixar ir, mais e mais
os pássaros que recebi do rei.
Vou deixar que saiam

(Pode dar gastura ver os pássaros
saindo do meus olhos)
cantando, em bandos,
por cada coisa que enxergo.

E quando todos tiverem voado eu também terei ido.
Minha vida terá terminado.
Sairei pelos meus próprios olhos
e me verei sorrindo.

São tantos, no entanto, para muitos vôos
que quanto mais olho e os deixo partir
mais pássaros – eu desconfio – o rei
secretamente aninha dentro de mim.

Um prazer, uma sina, uma agonia.
O rei não me fala claro, mas sinto em cada fragmento
do mundo que vejo, que ele me implora em segredo,
lhe descreva o que vi.

07 junho 2008

Yasmim, Dália, Rosa
(e os monges)

Sente vontade
de viajar, sumir,
desanuviar
e deixar de sofrer.
Chover.
Mas continua seco,
os desertos avançam.

Os monges buscam solidão.

Um dia pensou
em ser monge
e abrir mão do amor.
Mas optou por Yasmim.
Choveu.
Mas o amor não vingou.
Tudo secou.

Os monges cantam na madrugada.

Acha melhor esquecer
o sonho de ser feliz
até que um dia,
sabe-se lá - Dália ou Rosa -
chova,
fazendo germinar
as sementes.

Os monges receberão noivos no jardim.

05 junho 2008

Filhos do sol
(inspirado na invocação dos indios Sioux)

Vem impetuoso vento, com o sol que se levanta,
em cada fragmento de luz, no brilho que afasta a escuridão
e, com a quentura que tudo transforma,
retira a borra, faze surgir em meu coração
o ouro e a ternura dos filhos do sol.

Vento sagrado, de fogo, que me conduz,
sempre e suavemente, a um novo amanhecer,
acorda-me para a vida, pelos meus sonhos
e permite-me expressá-los também com gestos,
brincadeiras, poesias, cantos.

Abre meus olhos para a beleza que está para além
dos desejos egoístas e das coisas que passam,
e, deixa-me ver, nas estradas, as pessoas como elas são.
Então, escolherei hoje, novamente, o amor, para ir adiante
na trilha que a sinceridade e a autenticidade me apontam.

Que eu saiba, ao seguir ao lado de outros,
falar com poucas palavras,
e que o meu espírito, quietinho, na tua presença,
compreenda as visões que me concedes
enquanto dou passos nos meus rumos.

03 junho 2008

Ordinário, comum

Escrever poesia é fazer
o mais ordinário caminho,
é percorrer a mais comum das vias
e atravessar a ponte do desfiladeiro
por onde todos passam
mesmo sem fazer poesia.
Por isso fazer poesia é tentar escrever
(sem pensar em publicar livro,
sem certeza de nada,
sem necessidade de bondade
só pelo espírito de carpinteiro,
pelo gosto dos desertos
e das conversas esparsas)
uma pousada de poucos quartos
nos descampados áridos por onde segue
o mais ordinário caminho
e a mais comum das vias.

02 junho 2008

Permissão para desengasgar o tempo
(ainda saudade)

Vou encontrar um jeito
de jogar estas bolinhas de gude
de tal modo que suas cores e posições
formem um universo no chão
onde as leis obedeçam ao coração.

Ele ordenará à história que dê um salto para trás
para me permitir refazer um caminho
igualzinho ao que já foi feito, sem mudar um nada.
Só terei permissão para desengasgar o tempo
fazendo-o, para isso, ouvir atentamente
uma música cantada por Nara Leão.

O apressado do tempo comeu num dia
o que deveria durar mil anos,
e anda entalado no meu peito, tossindo, tossindo
me fazendo padecer de saudades.

Mas quem joga comigo
nem se dá conta de que nem quero acertar
e mesmo querendo errar,
para formar o céu no chão,
planetas, trajetórias e sóis,
acabo ganhando a partida.

Recolho as paisagens no lugar das bolas de gude,
um pedaço de mar, um navio, a curva da ponte
e volto pra casa cheio de saudades.
Tudo foi só um pensamento.
Um vento que me levou pra onde?
Vou ter que inventar outra história e outro caminho
com os passos marcados pela saudade que sinto.