30 junho 2007

Onde fica o céu

Se alguém quiser saber
onde fica o céu
tem que procurar bem
entre as pessoas.
Se bem que também ali
é onde está
o quinto dos infernos.
(Meu Deus, onde se escondem os outros infernos?
Livra-nos de todos).


Como céu é coisa de Deus
Ele – é claro – não fez só um.
(há pelo menos sete)
E espalhou-os, todos,
entre as pessoas.
Talvez o mais bonito
seja aquele que se avista
pela fresta de um olhar
de mãe.

29 junho 2007

Essa solidão me passa

Essa solidão me passa
como estrada do interior
onde, na curva, ela se aproxima do rio.
Ali, onde se pode beber água
e os mais corajosos podem mergulhar.

Mas eu,
eu não faço nada,
me basta olhar pro rio
num tempo que não se marca,
relógio que não corre,
água que nunca chega ao mar.

Só quero me sentir só.
Sem saudade, nem desejos,
sem sofrimento e sem prazeres.
Comandado pelos olhos
parados,
fixos,
a cumprir outra função
que não a de enxergar.

Mas logo
a solidão,
a estrada,
o rio passa.
A vida volta,
de cheio.

E aqui, é um vazio só.

27 junho 2007

Correria

Você tanto corria
Entre um compromisso e outro
E na hora do almoço
Mal comia e lá se ia
A pagar as contas
Como se penitente fosse
De uma culpa que não sabia.

Na verdade você queria
Só um tempo e voltar para casa
Mais cedo que de costume
e compor aquela música
Que como água que vaza e pinga
ia tocando em sua mente
insistentemente.

De repente o tiroteio
Você no meio sem entender
O assalto, a polícia, o banco cheio.
De pavor você se viu
Morto e estirado; e a vida?
Ah, a vida só dissabor e trabalho.
Mas nenhuma bala lhe matou
Senão à musica que parou
De tocar.
Que alívio!

Em casa com o violão
Depois de tudo e do susto grande
Você tentou e tentou de novo
Aquela música que se repetia
Com ritmo, melodia e letra
Como água que pinga e vaza
De torneira velha que não se fecha.
Que nada!
Nada, nenhuma palavra, nenhum som.
Só uma irritação
Pelo mal do dia seguinte
Tudo igual
A sempre.

26 junho 2007

Filhos da satisfação

Poesia,
Ah, poesia,
Qual sua serventia?
Só serve pra quem escreve.
Uma ou outra
Cai no coração de quem lê.
Poesia é como espermatozóide
Você ejacula muitas
Para, quem sabe, uma
Fecundar um coração.
Mas eu não me importo
Que o que busco mesmo
É o gozo.
E se eu tiver um filho
Ele será o filho
Da minha satisfação.

Secreções

Escrevi umas palavras
Num lenço de papel
Escorridas de repente
De uma febre-de-dizer.
Alguém em mim queria
Expurgá-las lá de dentro
Sem que me tenha dado
A noção de compreender
Essas razões irrazoáveis
De falar quando o silêncio
Seria de sábio o bom conselho.

Não corria bem a caneta
Por entre as flores brancas e mais flores
E rasgava em vales secos
Trechos incompletos.

Quando tudo estava posto
E precariamente concluído
Pude ser sem muito zelo
Meu primeiro leitor.
Fiquei leso, frio, gosmento.
A secreção escorreu
O lenço sem remorso
Voltou a ser o que era
E eu já não eu.
Tantas vidas

Já vivi tantas vidas
E vivendo discordo
De que se vive uma só.
Vivi já tantas vidas
Neste mundo aqui mesmo
Assim sem ter que morrer.
Bem não nego é bom dizer
Que outras mortes já vivi.
Vivo continuei aqui
Em cada morte nasci.
Para viver mais até
inda que carregado
De brilhos apagados
Que nos olhos revelam
Quantas mortes já morri.
Olhar que gasta

Com aquele olhar assustado
Meio aceso
Meio apagado
Entre as inocências
E as maldades
Tinha aprendido a falar sem usar palavras
Não que as dispensasse
Articulando as estritamente necessárias.
Aquele menino
Gostava mesmo era de olhar
E de tanto olhar gastava a coisa olhada
Que seu olhar logo se desencantava
E não queria mais olhar.

Todos estranhavam
E profetizavam coisas ruins.
Os pais assustados rezavam
E no fim se rendiam ao seu olhar.
Era tão doce, estranho e distante.
É o olhar de quem vê a morte,
Esse menino não vai durar,
teimavam.

Levar pra benzer podia ser
Ou quem sabe pro padre rezar
Ou talvez fosse melhor inverter
E pedir a ele a benção.
Sei lá.
Vai que o menino é santo!
Cores

Meu Deus,
Eu só queria agora
Aquele caminho dourado
Com um sol de meio dia,
Daqueles de rachar
E alterar as células.
Só para andar por aquela estrada amarela
Com o velho guarda-sol do vovô.

Eu queria me ver,
Como se eu me assistisse na TV,
Pra ver o rosto dessa que passava ao meu lado,
Menino branquinho, magrelo, feliz
Esquecido do recado a levar
Naquele vale verde de vários tons
Brincando com o guarda-sol fechado
Chegando em casa vermelho como um pimentão
para ouvir o brigueiro da mãe.

Ah! Nem ouso dizer seu nome
Essa que passa e nem avisa
E quando se percebe sua passagem
Já vai longe
Na volta elíptica que faz
Quem sabe pra passar de novo
Um dia assim
Tão perto de mim.

Com que cores, oh Deus,
Pintareis esse outro dia?
Um verso

Uma palavra, um verso
é o que tenho agora.
Nem sentimento,
Nem pensamento
Dentro.
Tudo fora.

No mundo.
E eu aqui dentro de mim
(Único lugar que não é
Lugar do mundo.
É outro universo
Uni verso)