27 dezembro 2010

Inesperado sol
Para Eurico, Mai, Paula

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Tudo numa janela, a vida toda na janela, a vida num instante, passado e futuro longe, longe. O desejo estranho dando voltas sobre os pensamentos fazendo-os tortos, inclinados, pendentes. Talvez fosse bom que a polícia aparecesse logo e o levasse preso, levasse-o embora, mas estava longe e com certeza demoraria alguns dias até ser descoberto. A janela delimitava um limite, uma escolha, o amor e a dor e o luto e a culpa por um lado exigindo um ato  heroico, e a liberdade por outro, mesmo que uma liberdade de pequeno alcance, de voo curto, garantindo não sabia o quê, uma esperança talvez de um outro sol ao amanhecer que o tirasse do pesadelo. Pensou em ficar ali naquele velho cenário, uma velha siderúrgica, um porto esperando restauração. Decidia não fugir mais, mas também não se entregaria, ficaria ali enquanto desse, enquanto pudesse ser dois, este que ele carregava fugindo e aquele que os pobres dali recebiam como o restaurador das coisas, da vida, da siderúrgica, do cais. Quem sabe demoraria a polícia em chegar, e os recantos de ferrugem, os galpões pudessem lhe oferecer alguma sensação de gozar de um irmão ao lado.