30 julho 2008

Procuro o pássaro benigno

Revisto o azul da roupa e imagino o dia como asas,
sigo vivendo o que pesa e não dá pra deixar,
procuro o pássaro benigno que me ensinou a cantar o que falta,
o que dói, o que ainda não chegou, e rir...
O jovem morreu de câncer. Seus olhos de antes
não param de me sobrevoar dizendo tanta poesia,
que já me é impossível senão lutar,
e viver viver, voar apesar.

29 julho 2008

Decidi...

Pronto, decidi escrever sobre os nadas
e sobre coisas que não mudam nada,
e pra começar escolho o fim do dia,
momento bem triste quando acendo as luzes e penso
sobre o momento feliz que se entregou para mim, agora
e quando o dia amanheceu. Fim do dia.

Decidi que não perco mais tempo
escrevendo soslaios e poemas.
O que escreverei será um rasgo na caneta
só pra ver como escorre manso
esse alquímico sangue azul
que me mancha de palavras desnecessárias.

Decidi que as inutilidades que escreverei
serão simplesmente pigarreios da garganta
em cada dígito do teclado,
limpando as cores das cordas vocais
para uma conversa animada
com qualquer um que pintar
e sobre qualquer nada.

Decidi que o meu destino e meu rumo será flor
mesmo que o que escrevo incolor
sejam atos desesperados para desendoidecer,
ao mesmo tempo em que a cigarra canta na estrada
também ela desesperada, imagino,
declamando meus poemas bem melhor que eu,
pois que canta meu rumor e dispensa minhas palavras.

Decidi que serei sincero na teima de dizer,
ainda mais do que sou, e esconderei
o sentimento perfumado que se perderia
se eu o borrifasse nas entrelinhas
para dizer confissões que não me converteriam
nem aos caravaneiros que transitam
pela brancura das minhas palavras vazias.

Decidi que me encontrarei em altivez
aqui no lindo posto em que me estabeleceram
no horizonte mais distante que alcancei
e daqui, aguerrido, determinado, traçarei o olhar
que reconhecerá outros aventureiros buscando a pedra
e se puder os avisarei que o diamante azul
transforma os sonhos em penas para o travesseiro.

Eu não quero dormir, não quero ficar dormente.
Revelo pra quem quiser saber um meu segredo,
não tenho mais medo: eu escrevo para não adormecer.
essapalavra é um grito para mim mesmo: acorda, vê. Desperta.

28 julho 2008

Passatempo... Hás de treinar o abandono

Nem sei bem por que escrevo poemas,
já que gosto mesmo é de ler romances.
O que sei, o que faço é montar armadilhas
para prender pensamentos soltos, vadios
que pousam onde não deveriam.
Muitos caem no artifício,
pensamentos que dispenso,
poucos separo pra pensar,
e penso, brinco, penso, relaxo
e de pensar faço,
faço surgir em suas penas
um brilho que não têm meus pensamentos,
um brilho passageiro que me distrai,
bem que vivo bem e invisível
e assim me disponho a brincar
de escrever.

Sem sentimento, sem inspiração, tudo n'essapalavra
é uma grande mentira... ou, quem sabe, ficção. Rsrs.
Talvez tenha razão o escriturário corregedor

que em sua útima exortação me disse:

É necessário que te treines no exercício
de abandonar o que escreves n’essapalavra.
O abandono é a saída, tu bem o sabes.
Há ainda um impulso de ingenuidade e ilusão,
uma contra-vontade nas mãos
que te faz escrever. Entendemos.
Todavia, se seguires nossos conselhos,
pode ser que chegue logo
a hora feliz em que terás
a paz de não escrever poemas.
São eles frutos da tua preguiça.
É a rendição ao que é fácil,
ao que não vale. Passatempo...
Mesmo assim, convenhamos...

Has de treinar o abandono.





25 julho 2008

Rosas amarelas

Ao cantar do galo,
o terceiro canto,
deves descer ao regato,
recolher a água da noite
e soprar sobre ela a primeira oração.
Não te esqueças, a primeira.
Depois vem e derrames a água
cuidadosamente
no jardim das roseiras.
Repitas o procedimento
carinhosamente
todas as madrugadas
e esperes feliz o amanhecer do dia
em que colherás o amor.
Mas as rosas,
bem... as rosas...
poderão desabrochar
no dia do amor,
antes,
ou depois dele.
Desde o dia em que recebi o conselho
me tornei cultivador de rosas,
rosas amarelas,
e não há quem colha mais belas.
Tenho ganhado um bom dinheiro.
Mas o amor,
bem... o amor...
meu amor me acorda
quando o galo canta.

22 julho 2008

Chamado

Podes deixar ali os enfeites de ouro e prata,
deves soltar os cabelos, deixes cair a túnica
e desças cuidadosamente os degraus ate às fontes.
Depois do mergulho receberás
a mais pura veste, e luminosa,
que te posso oferecer: o meu abraço.
Mas antes que deixes cair tua túnica,
antes que desças às fontes, ouve-me:
... só se tu quiseres.

20 julho 2008

...como fruta

Era só o tempo de umas breves ave-marias
e o sono esculpia a mais linda escultura
que uma mãe pode ver,
a mais linda imagem de santo,
que me desculpe a Virgem
tão sempre bela em seus altares.
Nada há mais bonito que um filho
sobre a cama dormindo
compondo o desenho da ternura
nas mãos jogadas,
nos joelhos flexionados,
nos olhos pesados e fechados
como fruta que ainda não condensou todo o açúcar.

18 julho 2008

Me desvaneço

Não quero nem saber se me apontam as contradições.
Para mim um bom poema
é aquele que refaz a respiração das palavras
em cada pobre criatura que fala;
mas também é aquele que dessufoca e ressufoca quem lê.
Os que aqui leio me foram entregues
por Jesse James ou James Joyce,
por outros e desconhecidos. Ao longe
me vejo recebendo-os das mãos da Gabriela, a do Chile.
São ordinários os poemas
e ninguém os quer,
a despeito de quem seja o portador.
O remetente sabe-se lá quem é.
Destituído de visibilidade,
recostado em secreto divã
reescrevo-os em pseudoanálises
do que jamais vou decifrar,
... ou ser.
Os bilhetes nos quais eles me chegam
são rabiscados em papel e gorduras
de mãos transpirantes e sôfregas.
Leio-os em trote de burro e gastura,
pois me leio melhor em romances,
(se bem que, para o bem da verdade,
tenho sido analisado mais pelo cinema
em sessões que me fazem voltar sempre
para outras e novas,
num amor transferencial pelas imagens).
Nos poemas o amor é diferente,
é um amor do tipo forçado no sacrifício.
Então digo com usura e economia
o que só poderia caber em mil palavras
(ou em algumas imagens).
Pingo aqui, respingo ali
gotas de suor e o meu odor,
e digo que o que digo é meu
Sou eu. Vago, vago.
Vagueio entre a quinta e a sétima avenida
na altura da rua 31
desço a Pen Station e esqueço
que vou tomar o trem.
Retorno para a rua e encontro uns e outros
e Kerouac em preto e branco andando apressado.
Queria muito falar com o Jack.
Respiro com os sons enquanto ando:
Jack, Jesse, Joyce, James.
Jack, Jesse, Joyce, James.
Acelero o passo.
Jack, Jesse, Joyce, James.
Me canso e decido ler a frase que me finalize:
Me desvaneço; amanheceu?
(bom dia!)

16 julho 2008

Enternecer


Guardei palavras,
literatura e afins,
em caixas quadradas
e carreguei comigo.
Enrijeci.
Andando carente,
tropecei numa flor (?)
me esparramei na calçada,
as caixas se abriram
e vi que o que eu tinha guardado
eram pesos, não palavras,
como se fossem coisas.
Me confundi.
Não, nem eram coisas,
era o que sobrou
do que virou sangue.
Como foi mesmo o tropeço?
Só sei de esferas que estouraram
e me fizeram tropeçar na flor
ou no capim (???), não sei,
e cair (ainda bem)
e me enternecer.
Esquece!
O que importa é que enternecer
é um verbo pouco usado.
Se eu fosse você tropeçava também
(numa besteira qualquer)
só para se enternecer.

15 julho 2008

Os dias serão bonitos...

A vida sempre flores, batalhas,
outras palavras talvez não acrescentem mais.

Fala-se sobre a decisão: ir.
Resolve? Na hora,
depois o que não pode é se perder.
O aviso: Não haverá ninguém,
nem um rosto conhecido
(O’Hare, Chicago, tanta gente,
mala extraviada para Toronto);
a língua tão hábil em falar
não falará sem certa titubeação;
os dias serão bonitos,
mas o vento lacunar e gelado.

A vida sempre flores, batalhas,
outras palavras talvez não acrescentem mais.

Fala-se sobre a decisão: escrever poemas.
Resolve? Na hora,
depois o que não pode é se perder.
O aviso: Não haverá ninguém,
nem um rosto conhecido
(imagens, cores, tantos sons,
versos extraviados pela submissão);
a língua tão hábil em falar
não falará sem certa titubeação;
os dias serão bonitos
mas a poesia pausa e hesitação.

13 julho 2008

hungry, fast food
sexual appetite, fast food
spiritual need, fast food
loneliness, food
angry, food
worry, food
orgasm, fast
love, fast
life, fast

10 julho 2008

Vago e incerto propósito

Me levar de volta
- é um vago e incerto propósito –
senão a mim mesmo,
(não sei bem onde me encontro)
pelo menos à minha pele, ao meu peito,
que sobe e desce comovido
pela ânsia e pelo vento úmido e quente.
Então, suponho,
me descobrirei em arejados espaços vazios
e em estranhos universos cheios.

Me levar de volta
- é um vago e incerto propósito –
por um fugaz vôo em curvas e planos
fechando os olhos embriagados
para tatear pensamentos
(os audaciosos e os tímidos)
e pousar beatificamente a mão sobre o peito.
Então, suponho,
me descobrirei em vontades de amor grande
e em estranhos pequenos desejos.

Me levar de volta
- é um vago e incerto propósito –
e seguir sem pressa
as linhas e vincos,
as rugas e cortes não tão cicatrizados,
num memorial caminho silencioso,
só para sentir o sagrado pulsar das veias.
Então, suponho,
me descobrirei em fluxos poderosos de vida
e em estranhos arcanos e medos.

08 julho 2008

Ah meu Deus!

São dias os que se seguem.
Alguns, no entanto, não o são.
São temores, ao invés,
em que o viver que se vive
não é senão a nudez do dia,
desvestido da fraca luz que se rasga
por ventos ásperos e desnorteados.
São dias os que se seguem
Alguns, no entanto, não o são.
São sustos, acordar apressado,
em que se perde a corrente do tempo
quando no espanto o que se tem é uma noite:
quem sou, onde estou?
Ah meu Deus!

05 julho 2008

Escrever este campo duro e resseco

De escrever e escrever,
espero colher – perdão,
não cultivo jardins –
um bom aipim.
Vou te oferecer com carinho,
mais do que se te oferecesse
pétalas e perfumes.
Pois de escrever e escrever
este campo duro e resseco
foi que colhi uma raiz de pensamento
que só no amor se cultiva.
De escrever e escrever,
podes escolher
como tu vais querer o aipim.
Se com mel de abelha,
com melaço de cana,
com manteiga, quentinho.
De escrever e escrever...

04 julho 2008

Ando pensando em parar
(dedico à Luíza. Aproveite toda a poesia de Paris)

Ando pensando em parar
com essapalavra,
até porque, no fundo, no fundo
escrevo por obrigação,
para dar voz a estes que me habitam
em territórios que em mim,
absurdamente,
não me pertencem.

Já me vou fatigado de ouvir
e me fazer ingênuo porta-voz
destes estrangeiros que,
fluentemente,
falam a minha língua.
Cada um me diz o que já não quero
e, ou, não preciso saber,
muito menos escrever.

Queria mesmo era me contentar
em ler devagar, devagar,
um mesmo livro
durante um ano inteiro. O resto...
... O resto
... bem, o resto seria tempo para amar.

Mas fazer o quê?
Quanto mais amador me torno,
mais aumenta a aptidão de ouvir
essa gente esquisita,
dos estranhos mundos de cá,
que não sabe escrever.
Mas falar... ah!

Ah, mas eu queria parar....

02 julho 2008

Silêncio é uma cor

Silêncio é uma cor.
A luz silêncio do teu olhar
me concede um certo saber, o das dores.
Dores são mistérios em revelação.
Dores são sabedorias que se entregam.
Dores são segredos confiados.
Não sei para que servem as dores.
Só sei que se obtêm estes conhecimentos
no amor. Silêncio é uma cor.