28 setembro 2013


Vozes de abrir janelas, tentativas de olhar – 3

Ir à venda era só pretexto pra pensar em tomar o ônibus. Ali em frente ficava o ponto. Ia ali todo dia, como todos, quase todos, depois do trabalho, uma hora pra rir, ou se tentar. Prá que serve o vinho senão pra alegria? A cachaça substitui. Uma alegria vem, e se consegue esquecer certas coisas, quando se está com os outros, quando se enche a cara, esquecimento é descanso de alma, alma é coisa sempre viva, nunca morre, mas precisa descansar. Ia à venda só pensando no ônibus, a venda era o ponto de ônibus, qualquer hora todos iriam vê-lo arrumado, aquela calça jeans nova, a camisa branca sem mancha, tênis dos bons e uma bolsa na mão. E Então todos perguntariam e ele responderia com prazer: Tô indo embora. Mas isso de ir embora é vontade parente do sonho, vem e se desfaz, como asa que se abre para o voo e se desfaz num braço pesado, numa mão grossa, pesos a se carregar. Quanto maior a vontade de ir embora, maior a correia de couro endurecido que prende o sujeito no destino que ele vive como um cavalo arreado. Encostou-se no balcão, viu o colega que só vivia de óculos escuros e sentiu dentro de si uma coisa ruim.