30 julho 2007

Estranha vida bela

A sala não comportava
a espera da noticia que o médico daria.
A morte chegara
pra levar ao “Tudo” mais um.
Mas ainda não.
Para lá da porta tentavam
o resgate do respiro e do tambor do coração.
Tentavam espantar para longe aquela cor
E a imobilidade do corpo.

Na sala de espera só ela.
Ninguém mais ocupava lugar,
senão ela, a espera,
que apertava o coração,
o baço, o fígado, o aço dos nervos
e compactava a vida toda num momento só,
de solidão.

Nesse momento
de minutos maiores que um longo ano ruim,
aquela porta de duas bandas se abriu,
o médico apareceu e deu a boa noticia:
A vida venceu.
Que alívio!

Na infinitude das eras do universo
O pouco de tempo que se tem com a vida
não permite a ninguém
ter todo o conhecimento dela.
Estranha e bela sempre será.
Em verdade, em verdade lhe digo – me disse a vida –
tudo passará e o Tudo chegará.
Mas tenho minhas desconfianças que o Tudo seja nada.
Perdoe-me o medo, ó Tudo!

28 julho 2007

Fogo abortado

Sei não...
minha religião é outra.
É qualquer coisa assim
que diz que é perda de tempo querer ser alguém.
O segredo é ser ninguém,
e pegar todo mundo de surpresa
com um belo poema
que pareça inspirado
mas que foi escrito com lascas de pedra
noutra pedra
de onde surgiu um cheiro forte de fogo
abortado.

26 julho 2007

Entre uma coisa e outra

Entre uma coisa e outra
se via exausto
como se a energia do corpo
tivesse se posto com o sol.
Mas havia ainda muito trabalho
a ser feito naquele computador.
A ponte já se iluminava linda.
Avistava-a do prédio,
e ela se assemelhava a ele
entre uma coisa e outra.
Contentou-se por um momento com a semelhança
e esperou como quem tem fé,
que uma beleza se revelaria na sua vida comum.
Talvez ele conseguisse chegar à garota,
quem sabe a loteria acumulada seria sua.
Algo extraordinário de bom viria,
dessa vez viria,
como Deus na vida do arameu errante.
Logo se desencantou.
Percebeu que a ponte ligava
e ele perdia-se
entre uma coisa e outra.

25 julho 2007

As palavras tiram o peso

Sou daqueles a quem se fala para não ser entendido.
Mistério este não sei entender mesmo – a vida.
Nem viver.
Vou levando como se diz
e me engano com o escrever.
É quando desatino em viagens,
esqueço de mim mesmo.
Minto, não esqueço.

Miséria! Nunca esqueço.
As palavras tiram o peso.
Só isso. Por uns momentos
entro em outro mundo bem alto
de onde o tombo é certo
e me quebro todo.
Depois não me colo,
sou colado pelos dias que se dão
e se dariam sem mim.
O sol se levanta e se põe ignorando-me,
completamente.
Tenho que resgatar a noção de ser alguém
especial,
nem que seja para um Deus
todo cheio de amor por qualquer um.
Até por mim.

24 julho 2007

Fragmentos 2

Encontrei uma criança que me quis abraçar.
Agachei-me e ofereci o que não tinha,
um calorzinho de amor.
Ela gostou e eu senti seu cheiro forte de suor
de quem tinha corrido e brincado muito.
Não chorei nem vibrei de emoção.
Foi só um abraço bom,
sem ser benção,
sem ser maldição.

23 julho 2007

Fragmentos

É a sombra de março que vai indo.
As sombras das esperanças que se foram no início do ano.
Nem penso mais no retorno delas.
O que penso é que terei um abril – o mais cruel dos meses? - pela frente.

Tenho que esquecer o mês que vem.
Um cachorro late lá fora.
Mas, como vês, ando confuso,
Especialmente sobre o lado de fora e o de dentro.
Onde late o cachorro?

Apavorado

Ele está apavorado
e de pavor pensa.
E de pensar anda cansado,
um cansaço que dói
num lugar da cabeça.
Está apavorado e já pensa
que é assim
de natureza, apavorado.

Não anda com sossego.
Cada rua é um medo.
Cada olhar uma intenção ruim
de assalto, de arma e punhal,
entre tantos outros medos
de avião,
de avc
de câncer, da morte e
de sofrer.

Nuns momentos só
do pavor se sente livre
quando procura palavras floreadas
para escrever poemas
que nunca saem do rascunho.
Palavras que como roupa de palhaço,
larga e estampada,
disfarça o pobre coitado que está nela
tremendo no trapézio
diante do salto - obrigação sem recuo -
apavorado,
todo dia,
até a morte.
Ah, vida!

16 julho 2007

Diante dos olhos

Um momento qualquer
sem valor e distinção
é o que agora
aparecerá diante dos olhos.
Dos seus ou dos meus, não sei.
Os meus
de indignação um dia estiveram cheios,
agora de rotina é que estão
e desde sempre esperaram
aqueles momentos especiais
que nunca chegaram.
(melhor seria dizer, ainda não)

Desprezo-os agora
e aguardo somente
os bastardos,
vulgares e inexatos momentos,
descalços, sem fundamentos,
iguais,
que tem feito minha vida
uns passos curtos
dos grandes sonhos que calcei.

Terei olhos para o perto,
esquecerei os cenários horizontais
e escreverei com força
as histórias de um vendedor de sapatos.
Ele vivia num lugar de sol dourado,
que brilhava sobre esgotos.
O resto da história é sobre suborno.
Muita lama na vila
onde todo mundo precisa
e nem todos tem
botas.
Que bos......!

Outro dia no cais

Outro dia no cais
ouvindo um outro
que contava uma história
me dei conta de que eu sou eu.
Me assustei comigo mesmo,
esse estranho, velho salmourado, mudo,
cheio de maldições.
Reparei atônito
– Barco pequeno em mar sem vento –
que minhas palavras adormeciam
em cela úmida e mofada
– velas murchas e caídas –
esperando o sopro
e o céu da boca
onde o eco se daria
fazendo duas
o que no peito era uma:
a palavra que voaria
– gaivota sem rota certa –
e a outra que ficaria
encravando-me em mim mesmo
– âncora pesada.
Preciso contar minha história,
mais pelas maldições de velhos marujos que ouvirei,
que como eco, talvez,
ganhem de anjos do mar
vozes de bendições.

11 julho 2007

Escrito por debaixo do sangue

Entre livros antigos
naquele prédio decadente
do centro que não é mais,
com as narinas cheias de mofo
ele escrevia e rezava.
Apesar do século vinte e um
parecia um monge medieval.

Mas a era da violência
veio sem pena dizer-lhe
que acabara o tempo das rezas.
Era a hora de passar o dinheiro,
rapidinho,
e dizer amém.

O assaltante tremia,
o revolver não perdia,
no entanto,
a direção.
Foi uma bala só, no coração.
O jornal diz que o corpo ensangüentou
um caderno com muitos escritos
que ele segurou sobre o peito.

Ninguém ficou sabendo
quem matou o pobre homem.
Mas há em mim um desejo que não entendo.
De que me interessaria saber?
Descobriria eu algum parentesco com o morto?
Pois é este o desejo: saber
o que esteve escrito ali
por debaixo do sangue.

09 julho 2007

Sentimento de pedra que afunda ou de água que não se altera?

Água rasgada por pedra que afunda
é o que é a vida.
Uma tarde sem graça, perdida,
esgarçada pelo vento da frente fria,
- Também assim poderia definir a vida -
é o que ele vive, do caixote sentado
em frente ao banco do Brasil
onde vende filmes,
cópias piratas,
baratas.

Ele vê todos os filmes
para comentar com os clientes.
Mas nenhum filme lhe tira aquele sentimento
De pedra que afunda
na água que não se altera.

Ele treme de frio.

05 julho 2007

A eternidade vem atrás

Nenhuma eternidade é maior
do que aquela que se deu
no dia que acabou.
Que pena!
Nunca mais será o que foi.
Esse dia ficara eternamente no passado.
Preciso dizer adeus
com bom humor.
Entregar ao tempo o que é dele.
Deixar ir e não sofrer
por outro dia que virá
e se irá
Ate que me vou,
eu.
Por um tempo pensei a eternidade como algo à frente
Agora sei,
o que vai à frente são os sonhos.
A eternidade vem atrás.

03 julho 2007

Luz do fim do dia

Aquela luz do fim do dia
Por detrás das montanhas
Anunciava a separação.
Mas ele continuava acreditando
E acendia a lamparina
E rezava sem muita fé
A mesma ave-maria.

Quando veio a separação
Aquela luz do fim do dia
Parecia ela mesma,
Dispensando a lamparina,
Rezar aquela mesma ave-maria.

Então ele se foi
Lá pro boteco do Josias
Entre um trago e outros tantos
Ver se agüentava aquela hora
Em que a luz se amarelecia.