Aquele anjo naquele barco,
lindo porto-só-desconsolo,
porão vazio, alma parada, maré subindo.
Navio sem carga, recordações,
hora perdida na madrugada.
Aquele beijo naquela noite,
a maciez na mão sem tato,
o desejo aceso, o ato.
Depois o sono veio pesado
e veio mesmo prendendo a mente,
inviabilizando qualquer poesia.
Ela esperava uma palavra
depois de tanto sexo sem expressão.
Nem antes, nem depois, nem quando os dois
passeavam pela beira-mar,
e ela ensinava desesperançada
- a boca há de falar do que o coração se abarrotar.
No ultimo espasmo do gozo farto
o pensamento deslizara em intenções:
usar aquele barco, aquele anjo,
juntar cenário, verbo e sentimento
num belo jeito de dizer “te amo”.
Barco e anjo mal pintado foram dar no sem-fim-sem-nada.
Nada durou, ela cansou e foi-se embora.
Da tal morta falara um dia o amigo.
Ele desconhecia tal expressão.
Sabia agora, mais do que sabia, sentia
o cais, o navio, a maré,
tudo a acatar a hora,
a de agora
a morta.
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