28 maio 2010

Inesperado sol
11

Eles chegaram com o almoço, com olhares de querer entrar nos velhos escritórios. Tomou ali na porta mesmo o que eles trouxeram, quatro pequenas vasilhas embrulhadas em panos de prato e colocou-as sobre os primeiros degraus da escada, despediu-os com um obrigado forçado na gentileza e fechou a porta sem que eles se arredassem dali. Queriam uma intimidade que ele até gostaria de lhes oferecer, mas não devia. A porta fechada fez com que esquecesse os meninos, subiu as escadas e tornou a descer para pegar o restante do almoço. Abriu um dos pacotes de pano, ali estava bordado terça-feira, um prato, a vasilha sobre ele, destas de plástico, continha costeletas de porco envoltas em maravilhoso perfume, abriu a outra, quinta-feira, trazia uma salada de pequenos tomates sobre algumas folhas de alface, a outra, segunda, uma boa porção de feijão e arroz, uma colher de farinha ao lado, na última, domingo, um pedaço de cuscuz branco com muito coco por cima e um belo filete de leite condensado em espiral, por fora, no mesmo embrulho, uma lata de coca-cola e os talheres. A visão da comida, o cheiro, a brancura dos panos de prato lhe acordaram para a fome. Comeu avidamente. Lembrou-se dela, não queria mas lembrou, o amor no cotidiano é belo depois, à distância. A lembrança encerrou o almoço, contraiu o rosto e levantou-se, tomou um pano de prato, o domingo, e levou-o às narinas, fechou os olhos, queria absorver algo daquelas fibras de algodão, uma alma talvez, a casa, o amor, a vida do dia a dia, o calor de uma cozinha, o tempo presente que agora não lhe pertencia mais. O passado o perseguia, e o futuro não amanhecia senão entre brumas.

19 maio 2010

Inesperado sol

10

Senhor gerente, gritavam batento na porta num misto de obrigação e diversão, mas ele não ouvia os meninos. Senhor gerente, senhor gerente, continuaram entrecortando o coro monótodo com risos festivos, até que se deu conta de que aquele senhor gerente era com ele, era por ele que os meninos chamavam. Senhor gerente, disse pra si mesmo em voz baixa aceitando o chamado, indo até à janela. Lá estavam à porta os quatro meninos, olhou-os de cima. Perguntavam, a mando, se ele queria almoçar, e se desejava que o almoço fosse servido na casa do gerente. Já estão limpando a casa para o senhor, disseram. Traga o almoço aqui mesmo, respondeu de imediato, depois vejo estas outras coisas. Admirou-se da presteza em responder como se não houvesse nenhuma dúvida e como se aquela fosse sempre sua voz. Senhor gerente, repetiu, se afastando da janela, sentando-se defronte à mesa. Ali estava do outro lado a cadeira do gerente, vazia, e ele disse com um tom irônico e raivoso, senhor gerente, o que o senhor me diz?

Não havia o que dizer, muito menos para si mesmo, no entanto esperava um pensamento que pudesse ser anunciador de uma outra saída que não fosse só fugir. Decidiu esperar o tal almoço e depois tomar o carro e seguir sabe-se lá por quais estradas.

18 maio 2010

Inesperado sol
9

O teto não lhe sorria, pois que sorriso não teria mais, aquele, lembrou a pressa, era necessário ter pressa, sempre, sem descanço, quis ter pressa, mas não tinha, tinha que tirar do alto os olhos, olhar para o chão das estradas, pisar fundo no acelerador. Forçou a pressa, ela não veio, os olhos percorriam as linhas do forro, as teias, as lâmpadas. A cor, que cor seria aquela?, não era branco, mas amarelo também não, algo ali entre um e outro, o olhar corria lento de um ponto para o outro enquanto a pressa se corroia em disperdícios de idas e fugas. Era bom estar ali, calado, sozinho, escondido... até quando? Forçava-se em levantar da cadeira, em descer daquela sala, pegar a caminhonete e ir embora, mas aquela sala agora tinha algo dele, a limpeza que fizera, podia ficar umas horas a mais, dormir ali quem sabe e bem de madrugada se ir.

Voltou-se do teto, levantou-se, foi para o outro lado da mesa e tomou o lugar do chefe, quem seria? de quem seria aquela cadeira quando dela se ordenou o último mando? perguntou-se. Confundiam-no com o novo gerente, por agora era bom sentir-se assim, quem ele não era. Da cadeira do gerente, ou do dono, ou do presidente se avistava a porta, ela estava aberta, esquecera assim limpando a sala, o vento corria da janela pela porta afora, arrepiou-se, correu para fechá-la, trancou-se e voltou para a cadeira. Tinha que se renovar nos planos, disse para si mesmo, manter a cabeça no lugar, pensar cada passo, mas já estava bem longe, podia relaxar um pouco, dar-se um descanso, permitiu-se. Fechou os olhos e ouviu os meninos lá fora, já não brincavam mais de avião.

17 maio 2010

Inesperado sol
8

O ardor do trabalho lhe devolveu por um tempo um sossego, um leve e bom sossego que se confundia com o cansaço. Subira e descera várias vezes aquela escada com o balde d'água, arranjara vassoura. A sala agora estava limpa, bem limpa, havia ainda coisas a fazer, mas estava limpa. Os vidros da janela ainda esperariam com suas nuvens de poeira. Ajeitou uma cadeira adiante da mesa e outra atrás, quis sentar, titubeou entre um lado e outro, escolheu sentar adiante, como se fosse um cliente. Sentado, através da poeira nos vidros da janela, viu um pedaço de mundo que não lhe dizia nada, que lhe era muito semelhante para dizer algo que ele já não o soubesse, o lado de fora, velhos barcos, um ancoradouro vazio, pássaros voando sobre eles, nuvens se sobrepondo ao brilho do céu que se abrira pela manhã. O que ele sabia era o que ele tinha feito, soterrado estava. Levantou-se e foi para janela, abriu-a, voltou para a mesma cadeira, procurou a posição que ocupava antes de abrir a janela, inquietou-se pelo desconforto de não ter mais exatamente o mesmo ângulo de visão.

Olhou a mesa limpa, os objetos dispostos sobre a superfície marcada por pequenos vincos e manchas, palavras sobre palavras, números sobre números, somas incompletas, rabiscos e tensões, nada viu. Recolocou-os em posições diferentes, nada viu. Incomodava-o, de repente, a hora do dia, agoniava-se com o leve vento com cheiro de mar, o frio daquela espaçosa sala, queria que fosse nove horas da manhã, não era, olhou o relógio e passou as duas mãos sincronizadas sobre o cabelo, indo da testa para a nuca, entrelaçando-as ali, abriu os cotovelos ao modo de formar pequenas asas, a cabeça se jogou para trás e os olhos caíram no teto. Os fatos retornaram, as imagens se precipitaram de enxurrada naquela sala, apertou os olhos contraindo todo o rosto em expressão de angustia mais que dor, dor mais que medo, medo mais que idéias do que fazer.

15 maio 2010

Inesperado sol
7

Ficou ali no carro por uns momentos, desses em que a vida parece ser apenas a recordação de dias. As recordações, no entanto, se esvaem como nuvens que mudam de forma e cedem lugar aos desafios de viver. Retomou a chave, foi em direção ao prédio, abriu a segunda porta. Não quis olhar o ambiente, mesas, máquinas de escrever, armários, janelas fechadas. Subiu logo à sala no andar superior, uma outra porta e tudo estava bem disposto, quase arrumado, mas tudo coberto de poeira e de um ar que mesclava mofo e sonhos. Desceu e procurou uma copa, uma cozinha, um banheiro. Entrou numa cozinha, abriu a torneira, a água jorrou forte e enferrujada e logo clareou. Tomou um balde ali num ármario depois de abrir e fechar muitas portas em cômodo escuro anexo à cozinha. A água continuava jorrando em barulhos de vidas insurgentes. Não sabia exatamente o que aqueles gestos criavam em relação ao futuro, mas executava-os como se os propósitos fossem claros, lógicos, com intenções produtoras de muitos sentidos para um dia.

Mas não, absolutamente não, não sabia senão o que procurava, um pedaço de pano. Ali estava, ao chão, resseco e cinza. Tomou-o, serviria, mergulhou-o no balde e ele reviveu-se entre soltar a cor e avolumar-se como um universo em expansão. Esfregou, esfregou o pano, trocou a água, esfregou e torceu o caldo escuro e suculendo dos dias presos nele. A maciez voltou, o cor se amenizou de suas asperezas cinzas e fadigas. Havia desejos de amarelos, de vermelhos e vinhos, mas apesar dos torções, das trocas de água, dos esfregões, o domínio do peso, do chão, do tempo persistia em suas fibras. Encheu o balde uma outra vez, mergulhou-o totamente na água. Lembrou-se da segunda porta, largou o balde aos pés da escada e trancou a porta, sentiu-se melhor.

Subiu como se já fosse conhecedor de cada degrau daquela escada em muitas subidas e descidas, entrou na sala e olhou para a mesa. Grande, de madeira escura, com boas e várias gavetas de cada lado do folgado vão para a cadeira. Cuidadosamente retirou o que estava sobre ela, papéis, livros, canetas, pedras coloridas, duas verdes, uma ocre, que serviam de peso para segurar papéis, um cavalo de bronze. Mergulhou as mãos no balde e sentiu a água. Não a tinha sentido ainda, sentia agora, era a água que vinha daquela velha caixa com certeza, água fresca, confortável como luva que lhe vinha ao relógio. Olhou as horas, o metal reluziu en refração, não se importou com a hora, tomou o pano bem torcido e percorreu a superfície da mesa de um lado a outro na horizontal, fez caminhos retos, tortos e um brilho foi se acendendo na madeira, quase também em seus olhos.

21 abril 2010

Inesperado sol
6

Logo encontrou o prédio da administração. Estava ali, imponente ainda, mesmo que no desuso e na carência de reparos, sobre pequena elevação do terreno, bem defronte ao cais e a uma certa e boa distância da siderúrgica. Um prédio de dois andares em estilo eclético que parecia datar das primeiras décadas do século vinte. No frontal, acima da porta principal ladeada por quatro janelas de cada lado, o mesmo se repetindo no andar superior, também se via aquele nome que se derretia no alto da caixa d'água.

Apareceram assim como que do nada quatro meninos capitaneados por um branquelo e magro de uns onze anos que foi logo perguntando se ele iria reativar a fábrica. Olhando para as chaves estava, olhando para as chaves continuou sem lhes dar atenção. Tentava descobrir e acertar de primeira a que abriria aquela grande porta de entrada. A porta está aberta, senhor, disse o tal menino, a segunda é que está trancada, e bem trancada, e o menino disse isso empurrando a banda direita que foi cedendo e girando sobre suas dobradiças sem ranger.

Como por uma simples vontade de contrariar à gentileza e esperteza do menino, mas não era isso que lhe definia as atitudes naquele momento, voltou à caminhonete alvorada 62 e ordenou com uma certa rispidez que os meninos o deixassem trabalhar. Saindo correndo com os braços abertos brincavam de aeroplanos voando, os quatro aviões tinham uma das asas se formando em desequilíbrio com o resto do corpo pois levavam goiaba em uma das mãos, ou outra fruta mordida, não reparou bem. Nos roncos guturais e suaves daqueles pequenos aviões ele ouviu um indistinto mas apertado sentimento, uma música, stardust talvez, ou o som descompassado que se deu no vão entre a porta que o menino abriu e o filho que não chegou a ter com ela. Amava-a. Desacreditava do amor, amor, que amor é esse? amava-a. Embora o meio-dia não tivesse marcado o rosto de ninguém por ali, aquela música fazia o sol ir adiantado, bem adiantado em tardes de olhares nômades.

17 abril 2010

Inesperado sol

5

Olhou para o molho de chaves jogado sobre a poltrona no lado do carona. Elas pesavam-se imóveis de muitas portas, de voltas nas ferrugens escondidas, nos escuros internos de gavetas, nos seus segredos. Um aro de arame em umas partes expondo um brilho pela fricção suportava-as espalhadas ao redor como raios de um sol esquecido de seus eixos, parado. Olhou para as chaves. Não havia nenhum vínculo com elas, teria de descobri-las no uso, nas portas, nas importâncias. Apenas encontrava nelas densidades de coisas paradas, coisas que prendem sentimentos em impossíveis felicidades. Umas traziam marcas de usos, outras marcavam acúmulos e cores de esquecimentos.

Jogou a marcha para o ponto morto, tomou o molho na mão enquanto seus olhos se iam das chaves para outras paragens. O modo com que fez isso parecia traduzir uma intenção de salvação, assim, a dar às chaves a vida do movimento e do tilintar. Salvava-as pelo movimento, fazia-as respirar pelo tilintar, ligava-as em família no barulho. Ficou ali brincando com as chaves, todo o corpo parado, apenas a mão direita movimentava as chaves no molho, e os olhos, os olhos embaçavam-se escravos na bifurcação da estrada daquele parque industrial abandonado.
O tilintar depois de um tempo impreciso, um tilintar mais agudo ou mais melancólico, ou uma onda arrebentando-se mais volumosa por ali ao fundo despertou-o. Não queria acordar, não queria o tempo todo pensar aqueles pensamentos, o franzir da testa, o leve movimento de negação da cabeça quase imperceptivel delineavam a presença da contrariedade, a despeito da firmeza da postura ao volante. Impunha-se, todavia, a necessidade de voltar às escolhas, às decisões. Largou o molho sobre a poltrona, abriu rápido o porta-luvas e se acalmou. Ali estava a arma enrolada em macio, velho, manchado feltro esverdeado.

O carro roncava parado em ponto morto, precisava de algum dinheiro, aquelas chaves poderiam, por um jogo de sorte, de um modo ou de outro, facilitar a viagem, se bem que já estava bem longe e deveria se permitir uma noite tranquila de sono. Engrenou a primeira marcha, e os pés, na embreagem e no acelerador, mantinham a caminhonete entre voltar daquele engano e seguir para as velhas instalações. Seguiu na direção da siderúrgica.

15 abril 2010

Inesperado sol

4

Às escondidas, por vias que não se sabe quais, de repente, uma serpente de imagens recordosas se insidiou por sua mente, sem veneno, sem susto, quase como amiga. Era uma serpente vencedora, vencedora pela simples presença nele, delimitando território, garantindo domínios. Se a manhã se levantava inquestionável sobre as decadências daquele lugar, as recordações se sobrepunham em tentativas orgulhosas sobre as culpas, a culpa. Foi o que foi, ele pensou, se por suas mãos ou não, o destino tecera seu manto com o fio do carretel dos acontecimentos.

O fato de ter parado a caminhonete ali deflagrava e revelava talvez um segundo movimento causado pelas recordações, à despeito do seu querer e de sua bem sucedida fuga, o movimento da sua mente queria a afirmação de uma verdade. Mesmo que incerto das palavras havia entre o olhar disto e daquilo naquele mundo abandonado uma insistência que forçava a lingua para a voz, e mesmo que por contenção na garganta ele dizia que a amava. Sim, era amor. Todos falam de amor e aquilo era amor, aquilo teria sido a sua experiencia de amor. Ele a tinha amado, dizer que não era amor seria como negar que o sol se infiltrava naquele lugar de abandono.

A realidade da manhã, a convicção que afirmava como amor o que sentia por ela, não se manifestava todavia na clareza em relação ao dia da semana. Seria terça ou quarta-feira? Tinha mais dúvida aqui. Estacionara numa bifurcação; uma via se ia para a pequena siderúrgica e o estaleiro, a outra ia para um tipo de vila operária

12 abril 2010

Inesperado sol
3

Jogou fora a guimba do cigarro usando o polegar e o dedo médio como alavanca, e a pequena brasa rodopiou no ar extinguindo-se em invisíveis resquíscios de satisfação. O gesto era mais um gesto sem foco do que a indiferença de jogar para o ar um resto de cigarro, num arremessar impiedoso, para que se danasse a brasa fumegante ali na pequena viagem, se bem que também era isso. Caía em curva ascendende e depois descendente, mas caía sempre, inexoralvelmente, a guimba. Caía a vagueza do ver a velha caixad'água, o seu derredor, ao fundo os velhos galpões, os guindastes marrons de ferrugem, caía sem origem e sem destino, um fosco e viscoso brilho de uma canção ao longe em recordação inesperada da qual não se é capaz de distinguir as palavras. O gesto e o olhar que o acompanhava tinha aquele peso de queda que tanto pode ser o peso de um amor quanto de várias tristezas. O amor é sempre único, as tristezas se acumulam, sacudiu a cabeça espantando pequenos mosquitos.

Logo e assim seguindo, dirigindo vagarosamente, avistou por detrás de umas carcaças de caminhões, pastanto em abundantes trechos de capim entre os metais enferrujados, uma branca e doce vaca de pêlo brilhoso, com seu bezerro. A vaca comia aqui e acolá sem ter o que procurar dada a abastância de comida. O bezerro fungava-lhe os úberes e dava-lhes umas estocadas com o focinho para depois saciar-se do calor e do sabor materno. A vaca se entretinha entre abaixar a cabeça e reerguê-la para mastigar o que tinha colhido com seus dentes e com sua lingua áspera e saliventa. Correu-lhe pela pele, no intercurso do encontro, do que se depreende dos encontros, do que um encontro anuncia, um sentimento de retornar e pisar fundo o acelerador, e com alegria arremessar o molho de chaves na direção da guarita e seguir pela cidade afora, vazar seus limites, ir embora, dando prosseguimento, sem atalhos, ao seu destino.

10 abril 2010

Inesperado sol
2

Ao atravessar o portão e logo mais adiante deu-se com um pequeno riacho que cortava a estrada arenosa. A água era limpa, limpa, o chão de areia da estrada não a maculava com nenhuma sombra de lama, mesmo quando as rodas da caminhonete lhe cortaram o fluxo. Uma curiosidade fez com que ele parasse ali, a abservação do ambiente, do lugar era o ganho que lhe permitia alguma posição de segurança. Olhou e viu que a água corria de uma caixa, velha e grande caixa d'água, com grandes nomes corroídos que não interessava ler, do alto vinha o filete, musgos e plantas ali se fixaram, e o vento frio que no alto gemia mais forte roubava-lhe com cruel constância leves gotas para deixá-las respingar por ali, tornando a vegetação das proximidades mais verde e viçosa.

Algo lhe ocorria na mente, não conseguia precisar o quê. Era uma espécie de saudade, uma força de raiva, um desejo fustigante das partes espirituais do estômago quando se vai e se vai e se vai distante ainda da realização de um querer. Resolveu sair do carro, puxou do bolso a cartela de cigarro, repetiu mecanicamente aqueles gestos de por o cigarro na boca, procurar num bolso, no outro, no casaco o isqueiro, e então vieram na sequência os primeiros desenhos de fumaça, pensamentos esvoaçantes, afônicos. Uma satisfação momentãnea parecia dar-lhe ali um amparo de viver outra vez naquele dia.

Recostado no paralama verde azualado ele desaguou-se em minutos perdidos, quantos não sabia. Era bom, respirava e fumava, respirava e olhava o rio que nascia da caixa d'água. De repente um pássaro vermelho, que pássaro era aquele?, veio junto com um olhar desprevenido, o vermelho vinha e ele não foi capaz de precisar de onde ele vinha. Vinha da caixa d'água, da vegetação ao redor, do topo da caixa. Acreditou por final, deu-se este entendimento de que o pássaro vermelho e a caixa d'água formavam um abraço, haveria por ali em algum recanto um lugar de ninho. O pássaro seria uma mãe com filhotes, não era muito grande, mas esperto sem ser agressivo, ele deu uma revoada sobre o espaço onde o carro tinha parado e se foi confabulando com o mundo na direção que seguia a estrada.