08 dezembro 2012


, você distingue os fios, surgem veios de luz na sua mão, solidifica-se ali ao lado a cera derretida de uma noite bonita, há algo mais pra dizer, não, você não me diz, quem sabe quando o sol nascer, nasce e o “bom dia” fica no lugar da palavra, casa que se constrói onde se pode, falta uma colina e um riacho, há algo mais a dizer, não, você não diz, me olha, fala umas poucas coisas na fresta de um instante, vou-me longe, e enquanto recordo aquela dia, aquela noite, chove-me um entardecer de possíveis e fáceis outras noites, mas sem você, os anos descarrilharam, rolaram mais rápidos do que se podia imaginar, não encontrei a escuta daquelas palavras, aquelas que só você podia dizer, é, sim, estas palavras que outros encontram e lêem agora diz outra coisa, ela diz uma história, de uma noite, de vidas, mas é outra coisa o que ela quer dizer, nem sei, nem você, apenas aquele que lê é que pode saber

12 novembro 2012

Uma fruta tem paisagens, descortinadas janelas abertas das duas bandas para um intempestivo lugar, uma janela para aquele cenário que reverbera como eco da palavra alegria, alegria, legria, gria, ia, ia, ia, ia a mente, o coração, ou o que se passa nos fluxos entre os dois, ia na direção do riacho de areia branca e água transparente, ia na direção do pomar por ali, do bambuzal majestoso a estalar seus humores de louvor aos ventos bons, ia, eu ia, era por ali que eu ia, íamos em busca das mais variadas mangas, alegria, sim, mas agora era pelo dia que eu seguia, mais um dia, um peso aqui, uma preocupação ali, a agenda acolá, a rotina a me desafiar em deboches, quando me perdi... foi na primeira mordida que dei... me perdi... naquela manga que ganhei, ah, o sabor tem paisagens, o sabor tem cenários, o pomar, o riacho, as imensas mangueiras, foi bem lá que eu caí. Ganhei mangas, mangas da infância, mangas de caldo a escorrer pelos braços até pingar pelos cotovelos na camisa, mangas, não sei como você as conhece, essa de que falo, eu a conheço como "manga seleta", de sabor e perfume inconfundíveis, ah, ganhei mangas.

10 novembro 2012

Vem um dia e vai outro, os acontecimentos seguem, e Deus continua sendo, pra mim, um suave aviso. Apenas. Algo assim.  O sol se levantará amanhã. Um aviso acerca do que não carece de aviso. Ame! O navio que está no porto partirá, sob o arco da ponte um outro cargueiro avançará mansamente para o cais. E essa presença, para mim, ainda é mais escondida que a brisa suave, aquela que o clássico texto bíblico menciona. A brisa suave o homem de fé ainda percebe. A presença de que falo é uma brisa tão imperceptível que apenas um homem de pouca fé poderá reconhecê-la. Sim, apenas no titubeio e na fraqueza de uma fé quase não-fé, (por que me abandonastes?) é que se dará este encontro, essa conexão entre a brisa imperceptível e o filete verde e inclinado da erva miúda. Ame! Exageram tanto nos elogios de Deus, meu Deus!, penso que até Ele se incomode, e fique esperando um gesto de Amor mais do que estas estrondosas e grandiloquentes manifestações de fé. Falam de experiências tão altas que os que vamos aqui pelos baixos vales do mundo, pelas ruas árduas do cotidiano de luta, até pensamos que temos que inventar também feitos e maravilhas de Deus em performances de fé impecáveis. Ah, eis que desempenharei desajeitadamente outras performances, aquelas que marcam as dores e lutas e habilidades humanas na construção de um outro mundo.

08 novembro 2012

O mundo deu uma volta completa ao redor do sol, meu Deus!, a saudade se alongou pelo espaço numa dança de despedidas fazendo um longo anel ao redor do sol, mas ainda a saudade vai se alongar por outra volta, sinto, como se nenhuma outra viesse antes para dar firmezas ao espírito, para o coração não sentir como dor o que dói, para não sentir como luto o que ainda é árdua luta: viver sem sua presença, mãe, sem sua bondade, sem sua terna simplicidade. Ah, um ano se completou, estamos no mesmo ponto do universo de onde ela partiu. Em direção de que estrela ela foi? A chuva cai constante nessa noite em que coloco em letras o que por estes dias todos foram apenas murmúrios de preces sem alardes. Meu Deus, é sem alarde - talvez com menos fé, mas com um pouquinho mais de amor - que dela te pronuncio o nome: Maria.

07 novembro 2012

Tantas coisas na vida não passam de fantasias que vestimos. E nos acostumamos tanto a elas que passamos a levá-las extremamente a sério. Os papéis que vamos desempenhando aqui e acolá se colam tão fixamente em nossas vidas que impedem que outras e lindas e maravilhosas realidades se manifestem em nossos caminhos. De todo modo, se não é possível viver sem a vestição dessas fantasias, pelo menos a possibilidade de trocar uma por outra de vez em quando me parece bem revigorador do ânimo e da alegria.  Deus me fez tantos, Deus me fez muitos assim como Ele é Uno e Trino, Deus me fez no plural. Mas as fantasias que me são oferecidas são tão poucas que parto para a invenção. Ah, que causo estranhezas, isso sei. Mas se eu não forçar a porta ela não se abrirá, se eu não me apresentar como outro, sempre me verão como o mesmo e eu mesmo morrerei de tédio, rsrsrs... O mesmo é que não quero ser. Me contentar em ser o mesmo significa me perder de meu Pai,  Deus, o Inventador, o Criador, o Transformador, o Sempre Outro.
Um dia desses, folheando um livro numa biblioteca, dei-me com a palavra maravilha. A raiz da palavra se avizinha do nosso verbo mirar. Maravilhar-se, portanto, é um estado que decorre de um olhar que vê algo mais, um olhar que desdobra superfícies e vê outros lugares na mesma paisagem. Fiquei pensando que os humanos são estas paisagens ricas de mil camadas e que merecem estes outros olhares. Mas há que se desacostumar o olhar - como bem nos mostra o poeta do pantanal Manuel de Barros. Sim, desacostumar o olhar do nosso – às vezes idolatrado – ponto de vista. Pois que se vai o olhar em perigos de ser viciado, em ver sempre as mesmas coisas, os defeitos, os pontos negativos, o inimigo, isto e aquilo, o que não está ali, mas que ali enxergamos. Ah, e o olhar que se cai dessa arrogância com certeza vai se dar com maravilhas por ai, na história, na vida, na experiência, no traçado dos passos de cada um.

06 novembro 2012

Um dia um livro marcou minha vida, tantos livros deixaram suas marcas, mas um dia, um dia perdido nos campos, um campo sempre aberto a novas estradas, um dia um livro marcou minha vida, On the road, e marcou porque antes as estradas marcaram meus passos com destinos escondidos, vários, muitos escondidos até hoje, destinos, alguns, que tomaram meus passos e criaram meus anos, um dia um livro marcou, um livro de Jack Kerouac, da chamada geração Beat, aquela que forjou a geração hippie, um dia, várias vezes voltei aos livros deste autor pra resgatar a inocência, e os sonhos que se lançam por estradas, sim, volto a eles, a este especialmente, On the road, Pé na estrada, quando sinto que retiram do ar que respiro os respingos de luz que o menino respirava quando com sons guturais imitando o ronco de um motor dirigia o velho caminhão abandonado em ferrugens, e óleo derramado, eu guiava respirando aquelas partículas de luz, horizontes se abrindo, busco os livros de Jack Kerouac quando a fumaça e o peso da rotina, a falta de poesia pesa sobre meus olhos, me preparo agora pra ver o filme, On the road, será que ele me marcará com cicatrizes, desenhos, mapas da alma, será? ou, ao fim do filme, verei que o que li no livro está lá, inalcansável, num horizonte de vermelho sol que se esconde.
A vida se vai, e sem que percebamos, em certos momentos, nos sentimos como se tivéssemos diante de um filme do qual perdemos o fio do roteiro. Cercam-nos os passarinheiros por todos os lados com seduções para que entremos nas briguinhas de poder, nas disputas pequenas de egos movidos por interesses egoístas. Armam-nos suas arapucas capitalistas de portas amplas e douradas. Perdendo o fio do roteiro perdemos também o que nos levava pelos sonhos de poesias e ideais, mesmo e apesar das dificuldades; a crença na bondade, mesmo e apesar das fragilidades de cada um. Sim, perdemos o outro como parceiro e construímos muros, e pintamos inimigos em cada pequena sombra que se avizinhe. Ah, então, é preciso respirar e buscar no fundo dos pulmões o calor da renovação dos desejos que ainda em nós habitam. Aqueles desejos de viver bem, em paz, com a benção de um livro nas mãos, um amigo, uma conversa solta ao sabor de uma xícara de café, uma taça de vinho no início de uma noite tranqüila. Afinal, de que falo?, falo em reencantos, em processos de reencantamentos, falo de buscar o mundo, sim, buscar o mundo outra vez, o mundo no qual fui plasmado, meu mundo, este mundo, este que é o lugar onde fui posto para o cultivo de bons acontecimentos. Mundo plataforma de vôos. Haveremos de ser criativos para não cairmos no laço do passarinheiro. Voemos.

28 outubro 2012

, o que é a bondade?, você perguntou, mas não mais do que isso você perguntou, e ficou olhando para aquele barco de qualquer jeito deixado na areia,  as cores do barco mesmo que marcadas de esbarros e pancadas e muitos dias, ainda davam a ele uma indiscutível beleza, mas a beleza também estava nas cordas ali jogadas, jogadas como dias vividos, como boas horas, bonitas, passadas, o que é a bondade?, a inclinação do barco também era bela, como se fosse derramar poesia pela areia, ah, lembrando que bondade e bonito tem a mesma raiz, você diz, talvez bondade seja isso, um barco deixado na praia

27 outubro 2012

, era cedo ainda, mas ele sentia como se fosse mais tarde do que era, mesmo e apesar dos seus vinte e poucos anos, um Bob Dylan sujo e desorientado andando por Nova York, um Bob do terceiro mundo, sonhava em aprender a tocar gaita, se bem que podia ser um bom médico, pensava umas coisas legais sempre que dedilhava seu violão sentado sobre a cama, brilhava um sol de primavera com cara de verão, tinha tantas coisas pra fazer, ia andando como se estivesse de férias numa cidade distante, cobria tudo com o olhar de novidades, mas não conseguia, era o que queria, mas não, o que via teimava em repetir as mesmas paisagens, os mesmo nomes, os dos restaurantes, os dos bares, das lojas de roupa, então ele voltava para a construção, tentava voltar, construia seu andar de turista em cidade estranha, via-se feliz de andar livre sem saber que rua viria depois da esquina, mesmo sabendo que era a rua para onde ia, e então dava-se de cara de novo com o muro feio clamando por vida nova