Vem um dia e vai outro, os acontecimentos seguem, e Deus continua sendo, pra mim, um suave aviso. Apenas. Algo assim. O sol se levantará amanhã. Um aviso acerca do que não carece de aviso. Ame! O navio que está no porto partirá, sob o arco da ponte um outro cargueiro avançará mansamente para o cais. E essa presença, para mim, ainda é mais escondida que a brisa suave, aquela que o clássico texto bíblico menciona. A brisa suave o homem de fé ainda percebe. A presença de que falo é uma brisa tão imperceptível que apenas um homem de pouca fé poderá reconhecê-la. Sim, apenas no titubeio e na fraqueza de uma fé quase não-fé, (por que me abandonastes?) é que se dará este encontro, essa conexão entre a brisa imperceptível e o filete verde e inclinado da erva miúda. Ame! Exageram tanto nos elogios de Deus, meu Deus!, penso que até Ele se incomode, e fique esperando um gesto de Amor mais do que estas estrondosas e grandiloquentes manifestações de fé. Falam de experiências tão altas que os que vamos aqui pelos baixos vales do mundo, pelas ruas árduas do cotidiano de luta, até pensamos que temos que inventar também feitos e maravilhas de Deus em performances de fé impecáveis. Ah, eis que desempenharei desajeitadamente outras performances, aquelas que marcam as dores e lutas e habilidades humanas na construção de um outro mundo.
10 novembro 2012
08 novembro 2012
O mundo deu uma volta completa ao redor do sol, meu Deus!, a saudade se alongou pelo espaço numa dança de despedidas fazendo um longo anel ao redor do sol, mas ainda a saudade vai se alongar por outra volta, sinto, como se nenhuma outra viesse antes para dar firmezas ao espírito, para o coração não sentir como dor o que dói, para não sentir como luto o que ainda é árdua luta: viver sem sua presença, mãe, sem sua bondade, sem sua terna simplicidade. Ah, um ano se completou, estamos no mesmo ponto do universo de onde ela partiu. Em direção de que estrela ela foi? A chuva cai constante nessa noite em que coloco em letras o que por estes dias todos foram apenas murmúrios de preces sem alardes. Meu Deus, é sem alarde - talvez com menos fé, mas com um pouquinho mais de amor - que dela te pronuncio o nome: Maria.
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Dauri Batisti
07 novembro 2012
Tantas coisas na vida não passam de fantasias que vestimos. E nos acostumamos tanto a elas que passamos a levá-las extremamente a sério. Os papéis que vamos desempenhando aqui e acolá se colam tão fixamente em nossas vidas que impedem que outras e lindas e maravilhosas realidades se manifestem em nossos caminhos. De todo modo, se não é possível viver sem a vestição dessas fantasias, pelo menos a possibilidade de trocar uma por outra de vez em quando me parece bem revigorador do ânimo e da alegria. Deus me fez tantos, Deus me fez muitos assim como Ele é Uno e Trino, Deus me fez no plural. Mas as fantasias que me são oferecidas são tão poucas que parto para a invenção. Ah, que causo estranhezas, isso sei. Mas se eu não forçar a porta ela não se abrirá, se eu não me apresentar como outro, sempre me verão como o mesmo e eu mesmo morrerei de tédio, rsrsrs... O mesmo é que não quero ser. Me contentar em ser o mesmo significa me perder de meu Pai, Deus, o Inventador, o Criador, o Transformador, o Sempre Outro.
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Dauri Batisti
Um dia desses, folheando um livro numa biblioteca, dei-me com a palavra maravilha. A raiz da palavra se avizinha do nosso verbo mirar. Maravilhar-se, portanto, é um estado que decorre de um olhar que vê algo mais, um olhar que desdobra superfícies e vê outros lugares na mesma paisagem. Fiquei pensando que os humanos são estas paisagens ricas de mil camadas e que merecem estes outros olhares. Mas há que se desacostumar o olhar - como bem nos mostra o poeta do pantanal Manuel de Barros. Sim, desacostumar o olhar do nosso – às vezes idolatrado – ponto de vista. Pois que se vai o olhar em perigos de ser viciado, em ver sempre as mesmas coisas, os defeitos, os pontos negativos, o inimigo, isto e aquilo, o que não está ali, mas que ali enxergamos. Ah, e o olhar que se cai dessa arrogância com certeza vai se dar com maravilhas por ai, na história, na vida, na experiência, no traçado dos passos de cada um.
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Dauri Batisti
06 novembro 2012
Um dia um livro marcou minha vida, tantos livros deixaram suas marcas, mas um dia, um dia perdido nos campos, um campo sempre aberto a novas estradas, um dia um livro marcou minha vida, On the road, e marcou porque antes as estradas marcaram meus passos com destinos escondidos, vários, muitos escondidos até hoje, destinos, alguns, que tomaram meus passos e criaram meus anos, um dia um livro marcou, um livro de Jack Kerouac, da chamada geração Beat, aquela que forjou a geração hippie, um dia, várias vezes voltei aos livros deste autor pra resgatar a inocência, e os sonhos que se lançam por estradas, sim, volto a eles, a este especialmente, On the road, Pé na estrada, quando sinto que retiram do ar que respiro os respingos de luz que o menino respirava quando com sons guturais imitando o ronco de um motor dirigia o velho caminhão abandonado em ferrugens, e óleo derramado, eu guiava respirando aquelas partículas de luz, horizontes se abrindo, busco os livros de Jack Kerouac quando a fumaça e o peso da rotina, a falta de poesia pesa sobre meus olhos, me preparo agora pra ver o filme, On the road, será que ele me marcará com cicatrizes, desenhos, mapas da alma, será? ou, ao fim do filme, verei que o que li no livro está lá, inalcansável, num horizonte de vermelho sol que se esconde.
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Dauri Batisti
A vida se vai, e sem que percebamos, em certos momentos, nos sentimos como se tivéssemos diante de um filme do qual perdemos o fio do roteiro. Cercam-nos os passarinheiros por todos os lados com seduções para que entremos nas briguinhas de poder, nas disputas pequenas de egos movidos por interesses egoístas. Armam-nos suas arapucas capitalistas de portas amplas e douradas. Perdendo o fio do roteiro perdemos também o que nos levava pelos sonhos de poesias e ideais, mesmo e apesar das dificuldades; a crença na bondade, mesmo e apesar das fragilidades de cada um. Sim, perdemos o outro como parceiro e construímos muros, e pintamos inimigos em cada pequena sombra que se avizinhe. Ah, então, é preciso respirar e buscar no fundo dos pulmões o calor da renovação dos desejos que ainda em nós habitam. Aqueles desejos de viver bem, em paz, com a benção de um livro nas mãos, um amigo, uma conversa solta ao sabor de uma xícara de café, uma taça de vinho no início de uma noite tranqüila. Afinal, de que falo?, falo em reencantos, em processos de reencantamentos, falo de buscar o mundo, sim, buscar o mundo outra vez, o mundo no qual fui plasmado, meu mundo, este mundo, este que é o lugar onde fui posto para o cultivo de bons acontecimentos. Mundo plataforma de vôos. Haveremos de ser criativos para não cairmos no laço do passarinheiro. Voemos.
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Dauri Batisti
28 outubro 2012
, o que é a bondade?, você perguntou, mas não mais do que isso você perguntou, e ficou olhando para aquele barco de qualquer jeito deixado na areia, as cores do barco mesmo que marcadas de esbarros e pancadas e muitos dias, ainda davam a ele uma indiscutível beleza, mas a beleza também estava nas cordas ali jogadas, jogadas como dias vividos, como boas horas, bonitas, passadas, o que é a bondade?, a inclinação do barco também era bela, como se fosse derramar poesia pela areia, ah, lembrando que bondade e bonito tem a mesma raiz, você diz, talvez bondade seja isso, um barco deixado na praia
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Dauri Batisti
27 outubro 2012
, era cedo ainda, mas ele sentia como se fosse mais tarde do que era, mesmo e apesar dos seus vinte e poucos anos, um Bob Dylan sujo e desorientado andando por Nova York, um Bob do terceiro mundo, sonhava em aprender a tocar gaita, se bem que podia ser um bom médico, pensava umas coisas legais sempre que dedilhava seu violão sentado sobre a cama, brilhava um sol de primavera com cara de verão, tinha tantas coisas pra fazer, ia andando como se estivesse de férias numa cidade distante, cobria tudo com o olhar de novidades, mas não conseguia, era o que queria, mas não, o que via teimava em repetir as mesmas paisagens, os mesmo nomes, os dos restaurantes, os dos bares, das lojas de roupa, então ele voltava para a construção, tentava voltar, construia seu andar de turista em cidade estranha, via-se feliz de andar livre sem saber que rua viria depois da esquina, mesmo sabendo que era a rua para onde ia, e então dava-se de cara de novo com o muro feio clamando por vida nova
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Dauri Batisti
20 fevereiro 2012
Tu te percebes em inquietudes, é nas palavras, é nas letras que elas florescem, no que fico escrevendo no avanço da noite, são minhas eu sei, tu não te acometes delas, as inquietudes a mim assolam, fazem tremer o assoalho da velha casa e me incitam a ser, ah, que cansado às vezes vou de ser este, e quero outros eus para me viver, te dou um exemplo de um outro eu, aquele que tem um barco ancorado ali, barco que perdeu as tintas, tintas de cores que não gosto mais, esse quero ser, e já sou, as inquietudes me escoram, todavia, me amparam ainda, até quando não sei, de certo modo são elas que me fazem viver, vivo por elas, elas me põem de pé, me fazem andar a despeito do cambalear - mais dos titubeios do que da embriaguez - sim, sim, ainda te amo, acredite, não te agrado sempre minha querida? ainda vou contigo lá onde queres, mesmo que eu não deseje ir, tu sabes, este momento agora meu amor, nessa rua, nesse sol escaldante, o suor me fazendo um vassalo qualquer da ilusão do carnaval, é por amor, na verdade me queria ver no mar, não exatamente no mar senão meus olhos, jogados de cá de uma varanda, tomando um vinho de viagem, é, pois explico, um vinho de viagem, ao raiar do sol da terça-feira de carnaval, vou-me, não me indagues mais que isso, esse outro ainda não sei quem serei, bebemos, mas nem tanto, não é mesmo querida? calma, fica tranqüila, o amor se arranjará em modos de ficar, como já te disse, só quero outros eus para me viver, tudo bem, tudo bem, me explico melhor, só quero outros eus para me viver... e te amar.
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Dauri Batisti
05 fevereiro 2012
Ia, não sabia exatamente para onde, talvez para a casa de uma de suas irmãs, uns sete quilômetros, talvez confessasse sua dor à irmã, eram tão unidas, talvez falasse do seu amor, ou não, seguia a estrada sem querer voltar, a tristeza a perseguia desde o dia que partira aquele, empregado risonho, bom trabalhador, vaqueiro destemido, seu pai o despedira, foi-se a pé, uma pequena bolsa de couro jogada nos ombros com uma única peça de roupa, a outra, vestia, a de trabalho, não tão bem lavada, passada às pressas pra secar mais rápido, sem tempo de ficar no varal, viera um dia bater à porta da casa de seu pai pedindo trabalho, avistara-o da janela quando a porteira bateu e viu que um estranho se aproximava, quem será? perguntou-se enquanto cantava uns versinhos, sentiu ali, sentiu, não inventava, sentiu ali que seu destino viria a mudar, mas triste agora caminhava, seus passos queriam fazer os dele, ir aonde ele teria ido, para onde se foi? esperou que ele voltasse e não voltou, passaram os dias, veio uma chuva que se alongou por semanas e ele não apareceu, ela pensava, ele voltará num domingo qualquer, ou num sábado à tarde, para vê-la com a desculpa de que queria rever os amigos, os outros empregados em seus galpões pobres e cheios de outras coisas, arreios, ferragens, as camas cada uma num canto que o pobre escolhesse, seu pai não permitiria que conversassem, mas ela saberia, foi por mim que ele voltou, pensaria exultante de alegria, sofria ele do mesmo mal que ela, o desejo de ver, de estar perto, vieram de novo os dias de muito sol , ele não, nunca mais, mais de mês, e hoje, dia de Santa Inês, ninguém trabalha, seu pai não permite em homenagem à sua santa, estão todos de folga, os empregados no seu galpão, estirados em suas camas com lençóis que precisam das águas do riacho, e ele? Águida segue a estrada, o sol das duas da tarde se distancia de suas dores e faz o mundo todo indiferente, tudo queima na solidão da estrada, os passarinhos cantam aqui e acolá perdidos, Águida pára, olha ao redor, não avista nenhuma casa, o gado se amontoa na sombra fresca perto da mata, então desiste de ir à casa da irmã, tão longe à pé, volta-se e avista alguém que vem à cavalo, teme que seja seu pai.
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Dauri Batisti
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