Desnorteadas tentativas ( título provisório) - 2
E ali, no seu desaparecimento fiquei, e ouvi o que era possível ouvir, um ruído aqui, outro ali, enquanto as horas silenciosas e frias passavam lentas, levantei-me fechei a janela e fui para a cama, a porta levemente empurrada não fechou, ficou a um palmo do batente e por aquela abertura jorrava uma pequena e muda cachoeira de luz vinda do abajur acesso na sala, o sono não veio logo, os olhos fechados e apertados repetiam-se autonomamente na construção de cenários, rostos, palavras, desnorteadas tentativas de aliviar o peso do dia, ou modos de impor-lhe, mesmo sem querer, uma outra carga. E então, a tentativa de aquietar-se e dormir foi rompida, a porta ia e vinha pacientemente fazendo tinir a lingüeta da maçaneta no batente, mas sem força suficiente para fechá-la, favorecendo assim com seu ruído a construção de todo um mundo, que é de onde vem estes contos que te conto. Pensei se não seria ele que voltava, talvez lá os mortos não tivessem noites, nem cansaços, nem sono, nem necessidades de refazer-se para as lutas, e a porta ia e vinha com aquele movimento insistente de dizer o que eu nunca seria capaz de decifrar, sílabas incompreensíveis, formação repetida de uma única e breve palavra. Levantei, tomei uma sandália de borracha e ali coloquei, respeitava assim a vinda dele naquela cachoeira muda de pouca luz se ele quisesse voltar, e forçá-lo-ia a dizer na língua dos vivos o que ia me dizendo com aquele bater frágil de porta. Voltei para a cama e então foi a porta do banheiro que começou a falar com um singelo e sonoro e lento e macio e doce e incompreensível ruído. Então compreendi, ele me queria ajudar a dormir. Adormeci
E ali, no seu desaparecimento fiquei, e ouvi o que era possível ouvir, um ruído aqui, outro ali, enquanto as horas silenciosas e frias passavam lentas, levantei-me fechei a janela e fui para a cama, a porta levemente empurrada não fechou, ficou a um palmo do batente e por aquela abertura jorrava uma pequena e muda cachoeira de luz vinda do abajur acesso na sala, o sono não veio logo, os olhos fechados e apertados repetiam-se autonomamente na construção de cenários, rostos, palavras, desnorteadas tentativas de aliviar o peso do dia, ou modos de impor-lhe, mesmo sem querer, uma outra carga. E então, a tentativa de aquietar-se e dormir foi rompida, a porta ia e vinha pacientemente fazendo tinir a lingüeta da maçaneta no batente, mas sem força suficiente para fechá-la, favorecendo assim com seu ruído a construção de todo um mundo, que é de onde vem estes contos que te conto. Pensei se não seria ele que voltava, talvez lá os mortos não tivessem noites, nem cansaços, nem sono, nem necessidades de refazer-se para as lutas, e a porta ia e vinha com aquele movimento insistente de dizer o que eu nunca seria capaz de decifrar, sílabas incompreensíveis, formação repetida de uma única e breve palavra. Levantei, tomei uma sandália de borracha e ali coloquei, respeitava assim a vinda dele naquela cachoeira muda de pouca luz se ele quisesse voltar, e forçá-lo-ia a dizer na língua dos vivos o que ia me dizendo com aquele bater frágil de porta. Voltei para a cama e então foi a porta do banheiro que começou a falar com um singelo e sonoro e lento e macio e doce e incompreensível ruído. Então compreendi, ele me queria ajudar a dormir. Adormeci