Inesperado sol
7
Ficou ali no carro por uns momentos, desses em que a vida parece ser apenas a recordação de dias. As recordações, no entanto, se esvaem como nuvens que mudam de forma e cedem lugar aos desafios de viver. Retomou a chave, foi em direção ao prédio, abriu a segunda porta. Não quis olhar o ambiente, mesas, máquinas de escrever, armários, janelas fechadas. Subiu logo à sala no andar superior, uma outra porta e tudo estava bem disposto, quase arrumado, mas tudo coberto de poeira e de um ar que mesclava mofo e sonhos. Desceu e procurou uma copa, uma cozinha, um banheiro. Entrou numa cozinha, abriu a torneira, a água jorrou forte e enferrujada e logo clareou. Tomou um balde ali num ármario depois de abrir e fechar muitas portas em cômodo escuro anexo à cozinha. A água continuava jorrando em barulhos de vidas insurgentes. Não sabia exatamente o que aqueles gestos criavam em relação ao futuro, mas executava-os como se os propósitos fossem claros, lógicos, com intenções produtoras de muitos sentidos para um dia.
Mas não, absolutamente não, não sabia senão o que procurava, um pedaço de pano. Ali estava, ao chão, resseco e cinza. Tomou-o, serviria, mergulhou-o no balde e ele reviveu-se entre soltar a cor e avolumar-se como um universo em expansão. Esfregou, esfregou o pano, trocou a água, esfregou e torceu o caldo escuro e suculendo dos dias presos nele. A maciez voltou, o cor se amenizou de suas asperezas cinzas e fadigas. Havia desejos de amarelos, de vermelhos e vinhos, mas apesar dos torções, das trocas de água, dos esfregões, o domínio do peso, do chão, do tempo persistia em suas fibras. Encheu o balde uma outra vez, mergulhou-o totamente na água. Lembrou-se da segunda porta, largou o balde aos pés da escada e trancou a porta, sentiu-se melhor.
Subiu como se já fosse conhecedor de cada degrau daquela escada em muitas subidas e descidas, entrou na sala e olhou para a mesa. Grande, de madeira escura, com boas e várias gavetas de cada lado do folgado vão para a cadeira. Cuidadosamente retirou o que estava sobre ela, papéis, livros, canetas, pedras coloridas, duas verdes, uma ocre, que serviam de peso para segurar papéis, um cavalo de bronze. Mergulhou as mãos no balde e sentiu a água. Não a tinha sentido ainda, sentia agora, era a água que vinha daquela velha caixa com certeza, água fresca, confortável como luva que lhe vinha ao relógio. Olhou as horas, o metal reluziu en refração, não se importou com a hora, tomou o pano bem torcido e percorreu a superfície da mesa de um lado a outro na horizontal, fez caminhos retos, tortos e um brilho foi se acendendo na madeira, quase também em seus olhos.
Ficou ali no carro por uns momentos, desses em que a vida parece ser apenas a recordação de dias. As recordações, no entanto, se esvaem como nuvens que mudam de forma e cedem lugar aos desafios de viver. Retomou a chave, foi em direção ao prédio, abriu a segunda porta. Não quis olhar o ambiente, mesas, máquinas de escrever, armários, janelas fechadas. Subiu logo à sala no andar superior, uma outra porta e tudo estava bem disposto, quase arrumado, mas tudo coberto de poeira e de um ar que mesclava mofo e sonhos. Desceu e procurou uma copa, uma cozinha, um banheiro. Entrou numa cozinha, abriu a torneira, a água jorrou forte e enferrujada e logo clareou. Tomou um balde ali num ármario depois de abrir e fechar muitas portas em cômodo escuro anexo à cozinha. A água continuava jorrando em barulhos de vidas insurgentes. Não sabia exatamente o que aqueles gestos criavam em relação ao futuro, mas executava-os como se os propósitos fossem claros, lógicos, com intenções produtoras de muitos sentidos para um dia.
Mas não, absolutamente não, não sabia senão o que procurava, um pedaço de pano. Ali estava, ao chão, resseco e cinza. Tomou-o, serviria, mergulhou-o no balde e ele reviveu-se entre soltar a cor e avolumar-se como um universo em expansão. Esfregou, esfregou o pano, trocou a água, esfregou e torceu o caldo escuro e suculendo dos dias presos nele. A maciez voltou, o cor se amenizou de suas asperezas cinzas e fadigas. Havia desejos de amarelos, de vermelhos e vinhos, mas apesar dos torções, das trocas de água, dos esfregões, o domínio do peso, do chão, do tempo persistia em suas fibras. Encheu o balde uma outra vez, mergulhou-o totamente na água. Lembrou-se da segunda porta, largou o balde aos pés da escada e trancou a porta, sentiu-se melhor.
Subiu como se já fosse conhecedor de cada degrau daquela escada em muitas subidas e descidas, entrou na sala e olhou para a mesa. Grande, de madeira escura, com boas e várias gavetas de cada lado do folgado vão para a cadeira. Cuidadosamente retirou o que estava sobre ela, papéis, livros, canetas, pedras coloridas, duas verdes, uma ocre, que serviam de peso para segurar papéis, um cavalo de bronze. Mergulhou as mãos no balde e sentiu a água. Não a tinha sentido ainda, sentia agora, era a água que vinha daquela velha caixa com certeza, água fresca, confortável como luva que lhe vinha ao relógio. Olhou as horas, o metal reluziu en refração, não se importou com a hora, tomou o pano bem torcido e percorreu a superfície da mesa de um lado a outro na horizontal, fez caminhos retos, tortos e um brilho foi se acendendo na madeira, quase também em seus olhos.