11 janeiro 2009

(nova depuração)

Traço palavras vazias de inspiração. Perdi meu nome e o resgatei
sem a palavra poeta nas minhas letras. Escrevo, enfuturo-me.

Dessentimentalizar o poema não significa tirar-lhe o coração,
nem escrever poemas vai me fazer poeta uma vez. Escrevo vazias.

Uma tristeza, uma orquídea e uma alegria se juntam quando
um deslivrado escreve. Além disso, algo no escuro do universo

cria uma nova província. Talvez de amor. Rochas frias são luas.
Desendeusar a religião pode religar Deus e o Amor em cada um.

Falo, engasgo, digo: a lua é linda, seja cheia, seja vazia,
basta a poesia. Viver poesia é um bem. Ser poeta, não sei.

Eles são poetas, eu não. Traço redes, recolho versos, faço laços,
elucido-me no cadinho, livro-me, crio-me, enlivro-me. Pode ser.

Enlivrar-se pode ser um caminho. Pode. Enlivrar-se aos olhos
das crianças. Elas aprendem a ler muito bem, e rapidamente.

10 janeiro 2009

(Eis a sétima deambulação alquímica, não sei quando isto termina. Peço paciência)

Quando sinto as vazias, penso folhas secas, palhas, resinas,
bálsamos e perfumes. Também penso espadas afiadas, baratas,
corpo morto, sangue férreo pisado, raivas, guerras.

Ainda assim escrevo alguns universos, deslivrados e bizarros,

que se enchem de versos, de pontes para todos os lados.
Atravesso as pétalas dos dias, e sempre me dou de cara, surpreso,
com minhas vazias. Todavia encontro também meu espírito e a poesia

do teu coração em ajuntamentos de amor, confidências, espantos.

As montanhas e o mar do Espírito Santo me aprovinciam
de ingenuidades, eu sei. É que empalavro os barcos e as enseadas,
os beija-flores e os marlim-azuis. Perco tempo derramando

o mar das pequenas conchas, inventando mundos, arremessando
palavras sobre a superfície. Incontento-me com a placidez
das páginas, dos lagos que me oferecem lirismo e contenção.

Poetas escrevem Grécias, Romas, Paris, luas, muitos livros cheios,

deles necessitamos. De vazias não, mas é o que faço.
Não preciso de inspiração para estourar pedras, elucido-me
entretendo-me. Anoiteço e assusto-me. Vou vivendo.

09 janeiro 2009

(as deambulações alquímicas me oferecem borras. sinto muito)

Sim, vazias. Escrever vazias. Xícaras de janeiro trincadas e vazias.

Luas vazias, ruas. Os poetas não escrevem vazias, mas eu escrevo.
Elucido-me escrevendo vazias, anoiteço também. Empalavro gestos,
interpreto nuvens, viro as pétalas e as dobradiças das coisas,

e atualizo nas fotos o olhar das pessoas que já se foram. Guio-me

para o cais onde embarco para o dia de amanhã: viver poesia.
Quando pedras se lascam na marreta, uma vazia está sendo escrita.
Vazia se escreve em versos. Não necessariamente. Isto talvez

guarde uma esdrúxula e leve semelhança com poesia escrita.

A poesia escrita é deles, está no eixo, nos cânones;
as vazias pingam da retorta. É preciso mapear de amor
minhas províncias, sem depender de inspiração. Persito.

Já desendeusei a religião e dessentimentalizei o amor. Tentei, tento

estender a mão: o gesto é o que recolhe o verso, é o que importa.
O gesto faz a arte. Vi num circulo vermelho na tela da tv
um soldado israelense cinza no chão levar um tiro e morrer.

08 janeiro 2009

(as deambulações alquímicas passam por momentos críticos.
Muitas vezes, depois de muito trabalho, dei-me com fezes.
Tenho esperanças, se não nas mãos terei ouro no olhar,
ouro de desejo)

Viver na poesia e acreditar no deslivramento das palavras,

soltá-las em cardumes na rede, em bandos no ar, e deixá-las ir.
Deixar, deixar. Ir por aí e embelezar cada vez mais os dias
com muitos desejos de amor, de orquídea, de beija-flor,

de mar, de marlim azul, de mais ainda amor nos vales

ou nas margens do Brasil, aqui onde vivo, no Espírito Santo.
A orquídea coronariana se abre em corações que se libertam
da inibidora necessidade de inspiração para criar.

Crio províncias de poemas deslivrados e enfuturo-me em tramas

com outras vozes em muitas páginas. Desleitoro-me no despudor,
e autorizo-me, empalavrando os pés, as mãos, o sangue, o sêmen.
Desviro as pétalas dos dias e procuro outros universos

em cada frase escrita, em cada bomba que desarmamos.

Os fios que puxamos na rede formam laços, outros modos de amar,
a pressão sobe quando acordamos juntos. Mas é preciso acordar
para se propor como arte da própria edição.

07 janeiro 2009

(continuando o acrisolamento alquímico do mesmo poema).

A desinpiração é uma chance de se enfuturar a vida de poesia

libertando-a dos autores e dos seus livros. Deslivrar o amor.
Os dias de janeiro me trincam os sonhos, e os sonhos do mundo.

As montanhas e o mar me aprovinciam de belezas no Espírito Santo.
Margeando o Hudson fui até West Point na província de New York.

Apalavramo-nos em rede e em desejos de proximidade.
Nos ficcionamos nos textos que escrevemos. Resgatamos

nossos gritos, nossa nobreza, nossa orquídea coronariana

apalavrando nossos caminhos, pedras e tropeços. Esperamos
um mundo desvirado, em manifestações de gestos humanos.

Livro-me de inspirações e endesejo ainda mais minhas palavras.

06 janeiro 2009

(Continuando as deambulações alquímicas. Ao final, ouro ou fezes?)

Apalavrar-se de si mesmo para viver, inventando.
Deslivrar a poesia das próprias páginas. Desvirar amor a cada dia.

Uma raiva enraizada, uma trinca desenhada como ódio
se derrama pelas terras na Palestina. Estou longe.
As margens me aprovinciam em cantos lindos na beira do mar
onde vivo, ou em interiores férteis onde nasci, no Espírito Santo.

Estamos tão pertos, nossos textos se tocam, nossas
ficções se combinam em reações de misturas. Rede.

Etiópia é palavra linda. Etíopes também. Há no nome
uma solidão de fome, um resgate de nobreza. Orquídea,
flor de gritos extraordinariamente fortes. Crianças
que recolhem com os olhos o que resta da poesia de viver.

Quando derramo palavras na tela corto-me com pedras,
pedras de estouro, de bombas, entulhos. Meteoritos,

chuva de fogo, esperança de ano novo, nosso encontro
despertando-nos para a arte. Inspiração não é preciso.
Poesia é corte, talho, incisão, paciência de quem pesca nas margens.
Despertamo-nos mutuamente. A pressão sobe quando se acorda.

Saber-se deslivrado. Ser, mesmo que desinspirada, poesia.
Enfuturar-se pelos anos empalavrando nosso amor.

05 janeiro 2009

Desvirar o livro de poesia e se despedir dele. A poesia agora
se espalha pela rede. Apalavrar-se do futuro com amor.

O que se toma não sacia. O papel é pouco.
A trinca que se divide em duas
faz a xícara única, marcada, cicatrizada.
Viver a cada dia a poesia fora do eixo Rio São Paulo.
As margens são férteis, próprias para a cultura.

O que há no Monte Sião? O encontro não acontece.
A poesia se esconde no colo das crianças.

Não escrevo livros, a rede me oferece as letras,
a internet me põe ao lado, me faz próximo do estranho.
A beleza da orquídea acalma o coração. Paz é grito,
de cada dia, grito e trabalho espiritual. Ascese.
Viver cada dia é o que revela a alegria.

Quando penso em poesia penso em outra coisa,
o que não se contém, o que explode, big bang.

O universo se enche de versos, estrelas e planetas.
Num deles a surpresa, meu coração e o seu unidos
por sentimentos, perplexidades e mundos. Espadas
que se entrecruzam, cavaleiros nobres e medievais.
A pressão sobe quando se desperta o coração.

Deslivrar-se, ponderar a apalavração do amor e do futuro,
viver de poesia, abdicar de inspiração, escrever com pétalas.

04 janeiro 2009

deslivrado. Viver de poesia, se largar na rede, brincar,
sem inspiração, saber-se apalavrado de amor e de futuros.

A xícara verde por fora, laranja por dentro
está trincada. Uma trinca longa,
que logo se divide em duas, uma raiva.
O café, preto universo onde as estrelas morreram,
ainda se toma na mesma xícara,
a trinca não a inutiliza. O café não deixa marcas,
borras de nada, viver cada dia é o que salva.

Palestinos e israelenses em suas dores, e medos.
Não escrevo livros, escrevo páginas rasgadas,

sou eu mesmo, o outro, quem fala.
Os outros personagens se foram para o verão,
de folga. Escrevo aqui ao seu lado, em casa, sou seu vizinho.
Os etíopes longe morrem e ninguém sabe.
Lá não tem petróleo? Talvez a flor, aquela orquídea
seja linda demais pra ficar na mesa.
A cor das pétalas escorregará, sangue fugidio,
para fazer-se bandeira de nada. Paz é grito.

Bom ano, bom princípio, que sequência seja sem trema.
Quando penso em poesia, penso em leveza,

mas também penso em espadas, são doideiras,
espadas desembainhadas, prontas para cortar o ar,
um coração, talvez, o meu. Improvável. Fazer um mundo.
Enquanto entra o ano sangue escorre. Corre, atende,
o telefone não está vibrando, só toca,
e bem alto, uma música deprimente; está quebrado.

Caneta de tinta seca só escreve versos rasgando a folha.
Acordei. Acordar tem coração. A pressão sobe quando se acorda.

Saber-se apalavrado de amor e de futuros. Deslivrado.
Viver de poesia, se largar na rede, brincar, sem inspiração,

03 janeiro 2009

(encerrando a série das sete canções)

Cheguei, é a última hora, não a última canção.
Logo estarei ali, fim de uma estrada, começo de outra.
Os últimos pensamentos desabrocham,
conhecimentos afetos de ânsias e esperas,
de perguntas e canções. O amor não é uma paisagem,
um cenário perfeito onde se pode morar.
É outro lugar. Ir embora. Amor, amores,
vamos juntos, em caravana, pelas fronteiras.
Vento bom, suave, fogo santo, ardente sobre cicatrizes.

Reduzo a velocidade, olho as pessoas pelas ruas da cidade.
Ouço “Love me two times”.

01 janeiro 2009

Entregar-me-ei decidido quando estacionar à sua porta?
Sopram pelos caminhos ocorrências que me embebedam,
me liquefazem, infelicidades que me acariciam.
Vejo a garota à beira da estrada. Paro e aguardo-a,
olhando pelo retrovisor. Ela chega, linda, e logo vejo
que o chão descampado seco dos meus olhos
também se mostra nos seus. Uma espera de amor.
Um para o outro tornamo-nos a doce fugacidade
de um horizonte de estrada que imediatamente fica para trás.

Absorto, agora, sozinho, apenas sigo.
Então ouço “Because the night”.