14 fevereiro 2008

Exortação do honorabilíssimo escriturário corregedor

Há palavras demais
colhidas nos mais lindos pomares;
Frutas vermelhas, carnudas, mas aguadas.

Há palavras escorrendo da encanação furada
formando enxurradas, valas,
jorrando pela rua errada.

Há, e elas pingam em longos filetes dourados
das conchas das abelhas geneticamente alteradas
mel com certeza, decerto contaminado.

O resultado é o engano, o poder da miudeza, névoa,
perda do precioso tempo consagrado que seria
para outro rito; dançar a vida em nobres salões.

A luz dos minutos é sugada por cada poema,
- misteriosos buracos negros - num redemoinho esfaimado,
ninho de anjos em tempo de muda de penas,

vadios, feios, sem destino.
Formigas que perderam o vôo e caçam
pequenos grãos de açúcar em uma velha lata de biscoitos.

Horizontes abertos em cada manhã, tudo se perde.
Não perca mais tempo, meu caro,
teus poemas não valem nada.

13 fevereiro 2008

Fósforos e fagulhas

Noite,
são muitas as ruas, trechos, becos.
Fósforos - o que tenho - vou riscá-los por aí.
Luz, no fim, quem sabe, só terei a do olhar
a mirar vagamente esse exagero de estrelas
lindas, indiferentes e distantes. À vista delas
aguardarei os caminhos da manhã. Mas,
ando pensando... ainda há o que fazer.
Vou esmerilhar palavras e tirar-lhes fagulhas.

11 fevereiro 2008

Como você sabe

Eu sou assim
como você sabe.
Vendedor de flores no mercado,
ao lado da banca de peixes.
Mas meu pai era bonito
e minha mãe linda, linda é.
Eu sou assim,
como você sabe,
estranho, tímido, pago pra não falar.
Padeço de saudades do que não vivi,
sonho que moro nas casas que existiam no lugar dos prédios,
viajo todos os dias na Enterprise como co-piloto do capitão Kirk.
Sofro e percebo que sou assim,
como você sabe,
desigual até no modo de sofrer.
Às pessoas o tempo assusta, delas tira a beleza, a saúde...
Mas eu, eu não me assusto, nem me entristeço.
Sofro
e me consolo. Meu pai era bonito
e minha mãe linda, linda é.
Não há escapatória,
ela me persegue,
a beleza vai me pegar.

09 fevereiro 2008

Tu te exageras

Ah,
Tu te exageras nos pedidos.
A maré sobe e desce
sem ouvir minhas ordens (e gemidos).
Já tentei, muitas vezes,
desde quando, ainda menino,
pela primeira vez fui para o mar.
Os ventos? Não,
também eles não me obedecem.
Sopram, sopram, sem parar.
Escrever poemas, não, não sei.
Cantar? Também não.
Ah, lembrei!
Posso fazer uma dobradura
com uma folha de papel
e soltar um passarinho.
Aceitas?

07 fevereiro 2008

Something Stupid

Tudo bem arrumado numa taça de cinzas:
Negar a traição, desculpar-se e declarar amor.
Palavras. Engasgava no que não queria.

Um breve silêncio caiu sobre os dois.
Sentiu por dentro um frio sussurro de vento:
o amor ouve-se primeiro com o olhar.

Ele não escutou.
Queria reparar a culpa com palavras.
Ela não acreditou.

A brisa ainda mais fria se foi cantando:
"and then I go and spoil it all by saying
something stupid like: I love you"*

*Something stupid, Frank Sinatra
E então eu vou e estrago tudo dizendo
algo estúpido como: "Eu te amo"

06 fevereiro 2008

Desvão do telheiro

Por sorte
mostrou-se o destino
no desvão do telheiro
para onde olhei e vi
minha solidão.
As recordações da casa feliz
me fizeram pensar
em dar um passo,
o do perdão.
Desvaneceu-se, no entanto, a tarde
em silêncios e sombras e os ratos
passeiam pelo desvão
e não me deixam dormir.

05 fevereiro 2008

Porém


Voltei.
Melhor, porém, seria
ir-me.
I will jump again

A little breath left alone my empty heart.
A half-open door closed my faith in a dance.
A domesticated mountain took easily my resistance.
Disappointments arise from blood circulation.
Ah, no! I must know the distance
between life and a moment.
On some occasions I snap at the idea that
all my life is summed up in a minute, bad.
But, this might be a mistake, I will jump again.
A moment always is the present slipped by,
and life is an eaglet ready to fly.



Against me the wind worked

Against me the wind worked
in my small garden
blowing a strong feeling
like a hate, like a love.
Then a pained silence
closed the little garden
and all the beautiful flowers
became red like a hate,
scarlet like a love.
Please, look at my eyes.
What colors do you see in my flowers?
Be careful, a large horizon
crosses my eyes and a wild horse
rides at a gallop in the morning
interlacing some runways with some traps
and you can lose oneself
in my small garden.

04 fevereiro 2008

Towards joy I proceed, to wine I return


If you look,
if you look closely,
you will see The God
become wine.
One day I found
a man who says,
towards joy I proceed
to wine I return.
Then, He took a cup and said,
take this and share it
among yourselves,
oh hardened human being!
I will follow you,
I said, precipitately,
wherever you go.
Just now, he ordered,
…come out,
listen the music,
and dance.
I hope you dance;
the rest of the way
might be stony.

02 fevereiro 2008

As formas se deformam

Odeio

Olhar fotos,
olhar fósseis,
olhar-me.
Ver.

Vejo as formas,
se deformam,
passam.

Passo.
Passageiro
de um trem
bala.

Bosta!