essapalavra
Dauri Batisti
20 outubro 2020
09 maio 2015
Continhos para o facebook 1
A calçada tem a cor da tarde, quando
tudo se cobre com o tom de idéias vagas, cinzas de um fogo que perdeu força
para nuvens úmidas, a calçada irregular, quebrada aqui quebrada ali, dessa cor
de pedra morta, cimento é pedra morta, como estátua,
e seguir por ali no fim do
dia, nem tanto assim no fim, mas já no fim pelos propósitos, voltar para o
mesmo lugar, tomar um ônibus lotado e triste com algumas conversas e os gritos
sofridos desses vendedores animados de balas e águas que fazem discursos
bonitos que ninguém ouve mais, todo mundo sabe as palavras seguintes que eles
vão dizer,
ir pra casa, casa onde não gosta de morar, caiu naquele bairro
sabe-se lá por qual destino, sentia saudade do morro de onde avistava o mar,
onde cresceu, segue e repara naquela calçada sempre, como mania, uma neura
qualquer, porque logo ali na frente, depois da loja onde se reforma para-choques,
depois de um hidrante que parece destituído de qualquer possibilidade de ter
por dentro uma gota d’água, há uma loja de flores,
num lugar em que ele jamais
colocaria uma loja de flores, mas ele olha ali, todo dia, quase, uma flor ou
outra, que enquanto por ali ele passa ele gosta de olhar, sente que pode um dia
levar um vasinho daqueles pra casa,
mas logo que seus passos cruzam a linha da
loja, da porta da loja, e que dá a elas, as flores, às costas, esquece-as, e se
depara com um parede feia, com urgências de um cuidado, ou muitos, e então ele
dá, todo dia, exceto fim de semana, com uma porta que parece escondedora de
coisas,
onde daria? quem por ali entraria? mas enquanto se pergunta isso o
pensamento se apaga e ele só anda, ou apenas anda...
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Dauri Batisti
01 dezembro 2014
O terço dos oceanos (continhos malucos)
Qualquer coisa que se diz está bom, quando os territórios do silêncio se expandem. Talvez depois de amanhã o tempo seja bom para navegar. Enquanto o que se haverá de dizer se diz só em pensamento, segue o sujeito do conto.
Ele, o sujeito do conto, diz coisas de saudades, pessoas que atravessaram o mar sem naufragar e que lhe enviam e-mails, Mas ele só recebe esses e-mails de mês em mês e olhe lá. Não que ele não queira ou não possa ler essas noticias. Mas os que foram não podem fazer nada além de fazer palavras para ajudá-lo e nem sempre ele as quer. As barreiras contra os imigrantes ficaram ainda mais altas e as impossibilidades aumentaram. Ele diz que embarcará de um modo ou de outro no próximo barco. Prometeram e a ele não cabe outra saída senão confiar naquelas promessas pagas com o pouco dinheiro que tinha, e outras coisas. Melhor não falar.
O sujeito do conto morre no naufrágio. E aquele que dizia coisas em pensamentos escolhe dizer uma palavra solta: mediterrâneo. Então ele percebe um sabor de oração na palavra e a repete, repete. Corre o toma um rosário esquecido numa gaveta e começa e dizer para cada conta a palavra mediterrâneo.
E depois das dez primeiras muda para atlântico, atlântico, e sente-se um pouco planeta, maior, sabe que é ilusão, fruto suculento da angústia de ser alguém que precisa pensar no amanhã, e depois mais adiante índico, índico, índico, e chega às dezenas do pacífico, o terço segue rápido, o sono parece como ondas que vem e vão, sempre dormiu bem, mas ainda é cedo, talvez sair e rodar, andar a pé pelo cais, pacífico, pacífico, pacífico, acabaram-se os oceanos, pensa em colocar mais um mar, já que já tinha rezado o mediterrâneo.
Cáspio, negro, morto, morto, no mediterrâneo, tantos, o Papa foi até lá rezar, ele deixa a ideia pra lá, mesmo que faltassem dez contas pra adoçar a língua com a sonoridade macia da repetição. O silêncio retorna ainda mais frio e ele fica ali, parado, olhando.
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Dauri Batisti
02 outubro 2014
01 outubro 2014
28 agosto 2014
Tem alguma coisa nesse ar, tem alguma coisa na luz do dia, tem alguma coisa boa vindo. É setembro que vem chegando? Pode ser. Só se vai saber exatamente quando acontecer, como uma moqueca em Santa Cruz em dia de semana, uma moqueca, muito pirão, um tempo largado, largo e espichado só para olhar o Piraqueaçú, o rio e o mar, os barcos. Ou como uma saudade, daquela das boas, que não faz sofrer, boa para se deixar atravessar por ela sem receios, como o barco que atravessa para o lado de lá, dos coqueirais. Tem alguma coisa nesse ar, também assim, como vou dizer, como quando se toma floral e se sente um bem na vida que se vive. Vou separar uns dias de setembro. Talvez também tomar uns florais da Califórnia.
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Dauri Batisti
27 agosto 2014
Nada mais do que dizer, nada e ainda tudo por dizer. Umas coisas, uns instantes, uns cenários, uns encontros talvez gerem novas palavras. Já não escrevo poemas, o que escreverei? já escrevi vírgulas, já sim, talvez seja melhor assim, escrever confusões. Tenho lido livros eletrônicos, me apaixonei, não preciso acertar o angulo em que posiciono o livro para não fazer sombra na página. O livro tem luz própria. Já li vários livros assim. Terminei outro dia, imagina, o amor nos tempos do cólera. Agora estou nas últimas páginas do Jesus Cristo bebia cerveja, de um autor português, texto muito bom, o nome dele é Afonso Cruz. Mas hoje foi um dia de estar ao lado de alguns que diziam adeus, mas também foi dia de dirigir e ficar no trânsito parado sem ansiedade nenhuma, preso e solto ao mesmo tempo. Um amigo adotou um gato. Quando ele me mostrou a foto achei feio demais. Agora o gato está lindo. Eu acho que vou adotar o dia de amanhã, vou cuidar dele,
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Dauri Batisti
14 outubro 2013
Assim, sem mais nem menos, acordou e teve um sentimento, como quem tem um pensamento, era um triste, não era tristeza, um filhote de cachorro desgarrado da teta da mãe em meio a tantos, fuçando por ali, intrometendo-se. E a
manhã tinha sido uma manhã bonita, diga-se, dessas que antecipam o verão. Foi, na verdade, uma manhã qualquer, pois que todas são bonitas, por
elas mesmas, sem depender de nossos olhos, nem das estações, porque simplesmente o mundo vira para o lado do sol
de novo, apenas por isso já são bonitas, mesmo quando a infelicidade filhote de cachorro se arranja
em jeitos de fuçar a vida procurando suas tetas. Olhar a vida como uma cadela com muitas tetas talvez não fosse a melhor imagem. Sacudiu a cabeça. Ao mesmo tempo respirou levemente
mais fundo sem que a mulher percebesse. A maior parte das infelicidades se vive
sem lagrimas e sem visibilidades. Ninguém sabe, ninguém saberá e basta. É isso.
Queremos entender as coisas para viver, por isso ficamos pensando, pensando.
Mas as coisas não têm entendimentos. O que a gente consegue delas são
sentimentos. Até os conhecimentos científicos são sentimentos. E foi ali na
venda que ele se deu conta disso, revisando a vida, revisando o dia. Cachaça não
bebia, nem cerveja. Ficava ali, conversava e ria muito, boas gargalhadas dava.
Tinha essa facilidade, de rir muito, por pouca coisa. Suas gargalhadas e
gozações não podiam faltar no bar. E ele estava pensando numa piada sobre o balconista. Ficaria pra outro dia. Mas ele já tinha percebido o encantamento dele por aquela garrafa de mel.
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Dauri Batisti
28 setembro 2013
Vozes de abrir janelas,
tentativas de olhar – 3
Ir à venda era só pretexto pra
pensar em tomar o ônibus. Ali em frente ficava o ponto. Ia ali todo dia, como
todos, quase todos, depois do trabalho, uma hora pra rir, ou se tentar. Prá que serve o vinho senão pra alegria? A cachaça substitui. Uma alegria vem, e se consegue esquecer certas coisas,
quando se está com os outros, quando se enche a cara, esquecimento é descanso de alma, alma é coisa sempre viva, nunca
morre, mas precisa descansar. Ia à venda só pensando no ônibus, a venda era o
ponto de ônibus, qualquer hora todos iriam vê-lo arrumado, aquela calça jeans
nova, a camisa branca sem mancha, tênis dos bons e uma bolsa na mão. E Então
todos perguntariam e ele responderia com prazer: Tô indo embora. Mas isso de ir
embora é vontade parente do sonho, vem e se desfaz, como asa que se abre para o
voo e se desfaz num braço pesado, numa mão grossa, pesos a se carregar. Quanto
maior a vontade de ir embora, maior a correia de couro endurecido que prende o
sujeito no destino que ele vive como um cavalo arreado. Encostou-se no balcão,
viu o colega que só vivia de óculos escuros e sentiu dentro de si uma coisa
ruim.
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Dauri Batisti
24 agosto 2013
Vozes de abrir janelas,
tentativas de olhar - 2
O olhar é coisa que se dá aos
outros, mas pode ser também uma coisa que o outro toma, como uma carta que se
escreveu em segredo e veio a público pela mão de um “amigo”. As pessoas estão
sempre pensando que sabem ler o olhar da gente, mas nem sempre sabem não. Até leem,
mas podem estar lendo errado. Ainda lê aquele que lê errado? Mas ele queria que algum dia
aparecesse alguém ali naquela venda e que fosse capaz de ler certo nos seus
olhos aquela história com começo meio e fim. Especialmente o fim, quando alguém
morria. Ao cair da noite ele vinha à venda. Bebia umas poucas doses,
ficava ali pelos cantos mais escuros e ia embora. Durante o dia usava óculos
escuros.
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Dauri Batisti
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