30 abril 2009

XIV

Pode haver uma chance no entardecer
de viver como quem semeia trigo
ao amanhecer.
Carregado de carinhoso olhar,
acima do destino de ver, ser capaz de
plantar
girassóis na lavoura da tristeza.

Busco. Mas agora o que há é uma vontade,
travessa, pueril, de puxar de surpresa
o pesado
manto da tarde e deixá-la nua,
linda e livre para o amor
de fazer
poemas comigo, até a noite chegar.

Respigar antigos desejos de amor
abandonados, sonhos simples de alegria
esquecidos,
e aproximar-se em cada um deles da realidade
que a poesia há muito tempo já havia
alcançado,
e sugerido, como caminho.

28 abril 2009

XIII

Há um querer de alívio de dor,
e o desejo de uma luz, linda luz
da lua
que anda escondida. Esperar
a noite é a única saída. Preparar
a lamparina.
Quando passa a tarde, passará a dor.

Colher o fogo, recolher as faíscas,
não desperdiçar as cinzas, arremessá-las
no jardim
como adubo. Me refaço luz no escuro da noite,
me debruço sobre o muro do jardim e vejo um
devagar.
Tu não sabes o que é um devagar?

Devagar é uma flor. O devagar
quando dá flor, morre. Morre devagar,
tão
devagar que ninguém percebe. A flor dura, dura,
mesmo quando morre, dura. E tanto dura a flor que
engana
a todos. Pensam que o devagar vive devagar.
XII

Quando não parto esqueço partes de mim,
dele, dela ou do passarinho, as asas.
Tardo
em lembrar e não me resgato. Posso aprisionar-me
em poemas. Um não-poeta apareceu, e me fez
ter
uma nova opinião, apocalíptica, sobre poesia.

O que pode ser dito, em poesia, por não-poetas?
Pejo é palavra de poder e de sofrimento. Que me
despeço,
mas não me despejo. O que será contemporâneo,
não sei. Eles lá é que sabem. A palavra,
a alheia,
a estrangeira, talvez. Vidar é o que tento,

não-poeta que já sou, penso em cuidar
de uvas e adoçar a vida com um vinho
que destilo,
de leve embriaguez. E ir. É noite.
Quem tem luz para o corte,
a ferrovia,
a minha via. Eu mal via,

mas mentia que via, querendo ser poeta.
Eu via os trilhos alinhados,
certos,
tão organizados, como nunca a vida.
Quando parto, rápido amanhece.
Quando
tardo a tarde me adoece de uma síndrome,

meu Deus. Um não-poeta me apareceu
e me instruiu, me mandou partir,
brincar
cada vez mais, sem voltar. Ir. Ir, seguir,
ouvir música, dançar como índio, falar as palavras
e sentir
a unção, o filete refrescante sobre a pele quente.

27 abril 2009

XI

Sonda-me um vozear que vem
num destino de bichos, desses que
correm
de incêndios. O impulso de dizer propõe
um lugar em que o amor escorrerá
como fonte.
Me resseco, no entanto.

Na garganta o que morre é o que desejei falar.
Fica o nó, conglomerado de sentimentos,
sensação
de saudades, abalos de insatisfação.
Sentir sombras me esconde às vezes.
À semelhança
de pedras sobre as quais caem alaridos e gritos,

e elas se perpetuam pedras, frias,
me calo e me vingo. Faço protestos de
surdez
e preguiça por alguns dias. O vozear me tenta
e me alicia com fragmentos de cantos de
ameríndios,
cantos budistas, rock, bossa nova...

Acrescido de caminhos sofridos e relâmpagos
me vou. Continuo, pois sim, pois o que
resta,
para um assim, de sina, de lua, senão estrada. Pássaros
fugidios cantam assombrados. Assombros de viver
é o que
apresento em parágrafos carentes de lucidez.

24 abril 2009

X

Não me apresso, ou sim, vou seguindo,
atravesso aguaceiros, e baques ( ou bosques).
O que sufoca
é a agonia de um dia que cai
como uma sombra crua,
ardente
(e fria ao mesmo tempo). Um ardor de medo

que vira gelo no centro do ventre.
Há trechos em que penso
que proseio
com incêndios versos de não ser
assim como sou, de querer ter o prazer
de ver e viver
o mundo com outro coração, só para saber

se alguma coisa muda, ou, se, muitas.
Não ter coração, ou senão, não ter estes
golpes
sofridos, resvalos e sonhos gravados
em palavras confusas. Caminho um parágrafo,
plátanos
ladeiam estradas, suspiro por um estranho país.

A primavera voltará, rezo, espero
e me encontrará. Por enquanto
pesadelos
me buscam, vultos. Meus vultos, outros,
inspecionam as sementes das flores debaixo da terra
e torcem,
e puxam para elas filetes de águas, esperanças

que não morrem. No seguimento das horas
o sol que me escapa, me engana com promessas
de renovos
azuis em outras manhãs. Por-se com o sol escondido
a escutar redemoinhos, pode ser um horizonte
de fronteiras,
ou esquinas, louquice, feitiços, ofícios para enganar

o medo. Bem. Breve, o mais breve possível
será bonito ganhar a estrada,
vagamundear.
A mão por enquanto se arrasta por palavras,
velhas frases arranjadas, óleo, pavio e chama.
Lanterna.
Nada mais que uma inusitada coragem por dia.

23 abril 2009

IX
(dedico aos amigos blogueiros)

Estou pensando em usar
na canção do mundo que vou compor
(ou cantar),
algumas palavras, certas,
dos solitários e dos andantes.
Elas carregam
muitas e valiosas coisas,

como terras e flores
que servem para consertar
os sentidos
quebrados, os meus, inclusive.
Percepções que se despedaçam, dias
que se perdem,
amor que desaparece.

Pensar os dias perdidos pode doer.
(Meu Deus, quantos já perdi).
Mas a canção
falará de amor assim mesmo. Saberei
os perigos do labirinto azul e o risco
de se levantar
ventos no inconsciente do monge.

Os ritmos que se sobrepõem
na canção do mundo dão um predomínio
de ingenuidade
no tom do olhar. Muitos livros por obrigação de ler
enfraquecem o silêncio do olho. O que ando
lendo
me disfarça, então finjo. Fujo.

Fujo para um abrigo depois da curva
e volto cabisbaixo pensando em retomar
a canção
do mundo que vou compor.
Mas é estranho e lindo, ser ave ou vagalume,
ser
outra coisa e não-poeta e (viver demais de Poesia).

22 abril 2009

VIII

Amar é o que se quer. É. E, talvez, haja algo de amor
nisto que parece ser um inocente barco de passar por
abismos.
Crescerá o amor na travessia. Doem fundo
as ausências, as que permanecem hoje e aquelas
que se vão
pelos futuros dias,

quando florir o jardim.
As pedras se porão a cantar. Mas necessário
se faz,
em bom grau, prestar atenção. Há outra realidade,
a do amor, a da poesia, de onde se ouve a canção
das pedras.
E a dos portos, das montanhas, dos desertos...

Amar é o que se tem. Nenhum
outro poder há. Nem no céu, nem aqui, nem dentro
do átomo,
nem no futuro. O amor é o que se pode
ter. Nada mais. Os versos não são
versos,
são – é bem provável - avariados barcos.

21 abril 2009

VII

Alevanta-se no vazio da realidade
o espaço, céu infinito de pequeno coração,
lá onde
se fixam os brilhos e os signos do fogo dos anos.
O impossível quer tomar a forma de amor
e joga-se
por terra como indizível e fugidia poesia.

O não-poeta vai no destino
em peregrina busca litúrgica
destituído
de paramentos, experimentando
em si mesmo a doçura e a amargura
de cada abismo
por onde passa, ou... onde vive.

Ir e vir é o seu caminho, pés de dores
e asas de desejo, o pensamento e o
estremecimento.
O espírito sempre atravessado na garganta
forja sua tosse, seu típico pigarrear, um ordinário
palavrear
a restabelecer por mais um dia sua respiração e vida.

20 abril 2009

VI

O que se faz nessa lavoura árdua
de tantas palavras
lançadas.
E nada há, nada água.
Lavourar assim se lavoura
pelo prazer
do vinho no fim do dia. Se planta

um canto, um assobio,
e aquele grito que na estrada
se solta,
só pela alegria
de se ir mesmo sem saber
para onde.
Então. Amar a vida.

O menino segue. Não encontra
na caixa a cor que queria.
Desenha
na folha com caneta azul, simples. E deixa
em si mesmo a mancha cerúlea de uma sina,
como mapa
de uma das vias do universo destino.

19 abril 2009

V

Engolir uma coisa pode ser
um modo de engendrar palavras
e fazer
do fundo mais fundo das coisas podres
dentro de si, a mina de alguma possível poesia
que só poderá
ser escrita por um olhar, um gesto.

Quando as palavras se escrevem
por não-poetas, que é o meu caso,
encardem-se
as letras de poeiras e acúmulos de vozes já ditas,
cansaços e ais comuns, quintais,
lavradores,
origens de todos, ainda minhas, bem próximas.

Confundo, confundindo quem me lê,
os caminhos, o que é meu e o que invento,
uma criança
nascendo a cada isso que escrevo. Nada existe
e tudo é o que foi dito, exatamente brincar
sem tirar
nem por nesta via tez, insensata ponte paraonde.

18 abril 2009

IV

Considerando no mundo as palavras
e os meus rumores, encontro, de provisório,
um caminho,
seja o do alecrim ou o das pedras, e o dos sonhos também.
Lá, bem depois, transcendente taça, quase
impossível,
é o que se chama de sede saciada.

Quando a mão e as palavras se iludem em escritas,
o que procuro é a passagem. Nem sempre
encontro.
Na maioria das vezes o portão não se abre,
e o que se diz com a boca seca é dito para
recolher,
algumas espigas, uvas e amor.

Abandono, sabor do vinho de vez em quando,
iniciação nos mistérios me firmam na
não aceitação
do termo poeta. Não sou.
O que me vale é o que se bebe, não o que se
desenha
nessas taças manchadas, postas de lado, vazias.

17 abril 2009

III

A caneta nova, um presente
no estojo é uma máquina
do tempo,
emperrada. Ela me prende
aqui. Para dizer o que digo,
faço
caminho de curvas entre palavras soltas por aí.

Saber o amor, o que é?
A vida talvez possa ser.
Sacrifício
é o que é. O amor será doce,
a dor será o amargor da palavra
que tenta
explicar o que se passa no poema doido.

Em uns três livros, quatro, amontoados
na mesa de trabalho, as palavras
trazem
o amarelo das mãos, o sujo
do olhar. A vida ganha e se perde no sol,
as horas
que passam dizem o que é a vaidade.

16 abril 2009

II

Angustias difusas se derramam
pelas manhãs em vasilhas sem fundo.
Uma águia
desce o desfiladeiro
e volta com o olhar em fogo, o rio
era seco.
O deserto avança. Tenho sede.

Quando a chuva vier
a esperança esverdeará o vale
e a ribanceira.
A palavra fina, fio de espada, não
se quebrará, será o elo que liga
um gesto
de ternura a outro.

Falar aqui é quase
um perigo, um detonador
armado.
É uma pena ao vento.
No entanto, nada acontece.
Nada.
Muda tudo.

15 abril 2009

I

Quando surge um sentimento
posso escorregar de leve no tempo.
Demora
tanto, ou passa logo.
O que digo é um
vão
de escada.

Quando olho a árvore
que balança no silêncio, fico
parado.
Presto atenção no barulho
que me embala.
As palavras
não são só para dizer.

Os dias nublados não são tristes. Há
um agrado neles em certas
horas,
um descanso. De falar
estas coisas
não necessito.
Mas é um desarranjo.

14 abril 2009

Um homem tão bom,
não o conheço,
escreve haikais

e outros poemas. Estava lá,
o homem tão bom,
num canto da livraria.

Não exatamente o homem,
nem sua bondade, mas
suas palavras,

num livro. Vários exemplares
que ninguém comprava,
em promoção.

Fugiu daquele canto a poesia,
ficou o poema num livro. Coitado do homem
que sonhou seu livro de poesia

e ninguém comprou. No canto da livraria
estavam seus poemas e haikais.
Fui embora, com um romance na mão.

13 abril 2009

II

Páginas rasgadas pela rua,
a via, a vida, sacra, história
tão bonita. Bonita?
somente à distância. Dia-dia. Isto.

A cabeça parecia girar, parecia ou girava,
girava a lua, a praça, a rua.
Já era noite. A noite chega tão sorrateira.
O sol derramado, escorrido
escreveu o fim do capítulo
sem janelas, sem saídas... ainda preso.
Mais um dia. Este é o dia que o senhor fez?

Pelo amor de Deus... ainda preso. Não!
Preso não, cego. Ainda preso... ou cego.

Devoravam a luz os espantos, os medos,
as correntes. Folhas ao vento,
assim pareciam seus rumos. O que se quis,
acabou na cruz. Todo dia
uma cruz. Carregar cruz todo dia,
cá entre nós, cansa. Desanima.

Não há cristão que resista.

Mas ainda há força para sonhos, tateia-se frestas.
Pelos vidros do ônibus desenha-se sucessos,
avista-se o porto, as pontes. A própria casa.
No jardim pequeno, de despedidas,
dançaram os pés que se foram embora. O menino
e sua bola, e os carrinhos. A lembrança!
Um animal trevoso pisoteou o jardim.

Parecia que ia morrer. Pensou: consumar-se-á
o destino. Estirou-se no sofá.

Umas janelas estão abertas. Não aquelas
que se quis. Mesmo que não se abram as outras,
há uma luz...
...de um amor que se decide ter. Única luz.

Todos os entendimentos se submeterão
a ele.

08 abril 2009

I

Não sei...
tenho que fazer alguma coisa,
nem que seja
tatear estas paredes escuras, espessas,
frias, duras
a procura de dispositivos que abram janelas.

Algo como tramelas,
tramelas medievais,
ou botões twenth century,
ou sensores digitais. Abrir janelas.

Olhar e ver.
Dói. As geleiras se descongelam.

Então me empalavrejo,
me poemejo. Faço metafísica do que vejo,
mas não quero transcendência agora.
Me descontento,
esbravejo. Tateio novamente,
procuro outras janelas. Quero ver as coisas, densas,
elas mesmas, aderentes.
Prometo a mim mesmo, quando outra janela se abrir
haverei de ver Jesus

descido no mais fundo dos mundos, nos infernos,
na mansão dos mortos. Lá, aqui, onde, no centro da matéria,

eu também começo a me erguer, ressurrecto.

06 abril 2009

Despedidas IV
(estou abrindo meus "issos" com fragmentos
de despedidas dos amigos blogueiros)

“Por coincidência Dauri
estou me despedindo também,
mas só dos poemas".
ederprosias.blogspot.com

O adeus me tranqüilizaria?
Parece doce. A coragem

que eles tem de dizer adeus
me desestabiliza.

Sinto vontade de dizer adeus também. Ei,
tu que me vês, adeus. Tu que me lês,
adeus. Tu que me seguras, adeus. Largar
tudo aos céus, aos ventos, aos vales,
aos mares, às montanhas...

Esvaziado não haveria mais
ânsias. Só amor. Quase solto o cabo da nau.

As últimas amarras me põem a escrever,
a poesia se perde, mais uma vez. Meu Deus!

O dia avança,
a tarde se ausenta de mim,
caio na noite mais cedo.
(Vou marcar com cruzes
quantos são os medos que demoram a aurora)

04 abril 2009

Despedidas III

(Abro meus novos poemetos com trechos das despedidas de blogueiros que deixam a blogosfera)

"Este é o último post.
Parto para novas aventuras...
Encontrar-nos-emos um dia destes,
sentados num qualquer café,
a mesa um do outro.."
inabstrato.blogspot.com

É o que está dito,
assim, deste jeito, um poema,
nada mais. Alvoroço de sol

numa certa manhã,
desosso de carnes, de uma tarde magra.
É também o que se diz na raiva,
o que escorre na saliva da tristeza.
Hei de admitir, pode ser
o que se carrega no amor...
talvez... o que se suporta...

Mas agora, o poema,
assim, deste jeito,
não será outra coisa senão a pronúncia
da palavra amor,
a dor,
adeus.

03 abril 2009

Despedidas II

(Abro meus novos poemetos com citações de blogueiros que se despedem da blogosfera)

A vida é doce...
A vida é breve...
A vida é hoje...
A vida é até logo ali...
A vida é começo e fim...
gamella.blogspot.com


Apelos, pulsões, barulhos,
rumores. Bem mais luta
do que tambores e cantos de júbilo.

Querer. Era só um querer, recostar
a cabeça num apoio qualquer,
pensar bons pensamentos e contornar
com os olhos o voo do passarinho.
Qualquer coisa assim. Depois
(depois tudo fica tão longe)
seguir por uma estrada antes
do amanhecer, após a chuva.

Palavras, apelos, pulsões,
barulhos, rumores no lugar de um
só desejo: dizer adeus e calar.

Mas o medo não concede a licença do silêncio;
ao contrário, desmancha espíritos em verbos
e propõe poemas, mais poemas,
muitos e vagabundos poemas,
águas em enxurradas, golfadas,
ânsias.

01 abril 2009

Despedidas

(Abro meus novos poemetos com citações de blogueiros que se despedem da blogosfera)

"continuarei a escrever.
Mas a blogosfera é 'uma prisão ao ar livre'.
Por isso, entro em balanço.
Até qualquer dia! "
lobamulher.blogspot.com

I

Há agora uma dor,
uma abandonada dor
que retornou. Uma dor
de quem nasce. Muitas dores
de quem morre e renasce.

Dor de roupa rasgada
que não se pode mais usar.
Dor de luz forte
sobre olhos fechados
que mesmo assim doem.

Dor de dizer good-bye.

Contentamento de dizer acabou.

Eis que me livro de um laço
mesmo que outro
já esteja sendo jogado nos meus passos.